2003-12-05

É triste

Esperei pela reportagem da TVI sobre a venda de uma criança no centro de Lisboa. Perdia-me agora a vomitar em cima da qualidade da peça e nos tristes cometários da (Brilhante! Ela é brilhante!...) Manuela Moura Guedes. Também me podia ofender com o aparente vazio legal acerca de ser ou não crime vender uma criança, mesmo que não seja com o propósito de a escravizar ou de abusar sexualmente dela. Mas acho mais importante falar da tristeza que é haver no mundo quem não se importe de deixar ir um filho em troco de conforto... E devo parecer inocente com esta minha indignação. Imagino que a vida não tenha sido doce para muitas e muitas famílas, de tal modo que certos valores que para a maioria de nós (que pode perder tempo a passear na internet) são evidentes, para eles não são tão evidentes.
Sinto uma enorme lacuna de conhecimento na área da psicologia, que estudarei com afinco logo que tenha tempo. Muito se explicará com o desvendar de certos fenómenos da mente. O porquê (e em que extensão) uma pessoa se pode tornar irracional e isenta de sentimentos (e venham mais 2 Damásios para explicar a mistura). Mas mesmo que não haja uma flagrante deficiência afectiva, há pessoas que têm uma vida tão miserável, que por vezes ponderam e executam a venda de um filho! Isto é inivitavelmente uma fonte de sofrimento e choca até certo ponto com as minhas ideias liberais. Posso tentar descansar-me com a fé de que no limite, as pessoas se terão de tornar responsáveis porque não há safety net ou há uma muito ténue. Mas isso não me descansa totalmente... daqui até ao limite vão-se passar demasiados anos, vão haver demasiados casos... e cada um desses casos é a semente de um mundo de problemas, se não sociais, pelo menos psicológicos de um ser perfeitamente inocente e de uma família desesperada.
Não tenho uma solução. À partida, não conheço ninguém tão desenraizado e sem recursos que alguma vez tivesse de vender um filho, mas se conhecesse provavelmente ajudava. Os meus amigos moderados diriam que eu posso ajudar, aliás... que todos podemos ajudar e que não custa muito porque são só mais 20 cêntimos a cada um. Depois para os velhinhos são mais 20 cêntimos. Para promover a cultura mais 20. Para beneficiar o interior do país outros 20. Para as estradas, para os hospitais, para as escolas, para a segurança, para ajudar os pescadores, os agricultores, as empregadas da fábrica de brinquedos, os desempregados... não me agrada o espírito da coisa. Acredito em sociedades abertas que deixam o mercado funcionar. Não há nada que nos faça falta que não estejamos dispostos a pagar. Para pagarmos teremos de acrescentar algo de positivo à sociedade. Isto funciona lindamente... não há incentivos para ficar fora deste sistema. Mas o sistema ainda não atingiu a massa crítica de funcionamento e enquanto não atingir temos um mundo de problemas para resolver. Ninguem se devia dispôr a ter um filho sem ter as condições para o criar minimamente. Comida, saúde, roupa e educação. Ter um filho não é um direito fundamental se não estivermos dispostos a providenciar isto de bom gosto e com responsabilidade.
No entanto continuo a ter pena daquela mãe...