2003-12-14

Aborto

Votei a favor da despenalização da IVG. Já foi há uns anos e até muito recentemente não mudei de opinião. Achava uma violência que uma mãe fosse forçada a ter um filho que não queria. Pensava inclusive que isso impediria algumas familias infelizes e educações contrariadas. Os argumentos da vida não me comoviam - primeiro porque não acreditava na vida dentro da barriga, depois porque mesmo que existisse, punha-se sempre o problema do filho de um violador ou de uma criança deficiente. Para mim justificavam que se interrompesse a gravidez. A alternativa é que me parecia criminosa.
Quando soube que ia ser pai começei a ler sobre o assunto. Os livros sobre a gravidez estão normalmente divididos por meses e vão descrevendo a evolução da gestação, as curiosidades, os tamanhos, os pormenores. Houve um que me ficou retido na memória. Existe um exame pré-natal chamdo amniocintese. Consiste em retirar uma pequena amostra de liquido amniotico do interior da placenta com o auxílio de uma agulha. Diz o Papiernik que quando se espeta a agulha no saco amniotico o bebé foge para o lado oposto, sentido nitidamente o perigo e tentando proteger-se da picada. É provável mente o que eu faria se me tentassem picar e eu não soubesse se era para o meu bem... Passado uns dias vi a ecografia do meu bebé. Apesar de ter menos de 2 centimetros tinha já uma forma humana, e ouvi um coração que batia vigorosamente. Um coração que não devia ter mais de 2 milimetros de diametro, mas que batia por ordens superiores.
Quando se voltou a falar de aborto revi a minha posição. Não posso impedir outra vida porque me é conveniente. Principalmente uma vida inocente, fruto de um erro que lhe é perfeitamente alheio. E mais recentemente fiquei ainda mais convicto com o conhecimento destas imagens. Quem sinta desejo de as ver vou já avisando que são muito violentas e descritivas.
Continua por resolver o meu problema com a violação e com a deficiencia. Assumo que é vida e portanto devia ter os mesmos direitos que qualquer outro feto, mas não me parece justo obrigar uma mulher a ter um filho sem ter tomado qualquer parte nessa decisão, e inclusive essa gravidez ter sido fruto de um episódio tão traumático e selvagem. No caso de deficiencia, o peso que é assumir uma vida que sabemos a partida que vai trazer sofrimento aos pais e à criança, jovem e adulto. Um sofrimento que se podia ter minimizado, nunca eliminado bem entendido.

Bom, o aborto vai continuar a fazer-se clandestinamente e sem condições, é verdade... haverá muito a fazer para que haja menos abortos, tambem é verdade... mas não acho que o estado me deva tributar para tirar vidas. Que se eduquem as pessoas, que se ajuizem os jovens enquanto é tempo. A familia tem um papel fundamental. Infelizmente há muitas famílias deficientes e não funcionais em termos de educação, por isso... aposte-se na escola. Aposte-se na televisão. Aposte-se no que for preciso. Eu passei a acreditar que o aborto não se deve fazer a gosto.