2003-12-14

Violência

Outro dia estava num Hiper da moda a fazer umas pequenas compras e reparo num casal com uma criança. Os adultos tinham um aspecto um bocadinho sujo e falavam um bocadinho alto. No carrinho levavam cerveja e mercearia. Muita cerveja, pouca mercearia. A criança era uma menina e estava ao colo do pai. Não lhe ouvi um piu mas reparei que apontava para os doces estrategicamente colocados ao pé da caixa. Do nada a mãe desata a bater na rapariga. Primeiro no rabo, depois na cara. Mas chapadas com força. A miuda não chorou nem mostrou qualquer desagrado. O pai manteve-se sossegado. Passados uns minutos a estória repetiu-se uma, outra e outra vez. Fiquei revoltado. Este casal em particular talvez não tenha muita culpa porque eram nitidamente ignorantes e escasseava-lhes o conhecimento, mas revoltou-me na mesma. Consegui nitidamente ver aquela mãe, 20 anos antes, ao colo do seu pai a levar na cara da sua mãe... Acho mofino que se bata numa criança, num idoso, num tontinho, ou em que é mais fraco só porque se pode e porque se perderam os argumentos. E sobre isto já ouvi de tudo! Que a criança é um terrorista - que às vezes uma palmada é necessária e até pedagógica - que o acumular de disparates às vezes não passa sem uma atitude diferente - que a criança simplesmente não responde senão à palmada.
Os argumentos não têm cabimento! No limite andariamos todos à pancada. As pessoas justificam-se com tudo menos com o seu próprio insucesso ou traumas de infância. É mais fácil, sem duvida, bater. Para aquela mãe foi facílimo enquanto batia na cara de uma miuda de 3 anos, convencida quiçá de estar a fazer o seu papel, e que isso ia eliminar o problema. Mas é que nem sequer vergonha teve! Toda a gente via e isso só lhe dava vontade de bater mais uma vez... tanto que me deu uma (quase) incontrolável vontade de intervir. Teria sido o mais fácil. Manda o mais forte. Não interessa quem tem razão nem interessa explicar essa razão. Vamos bater.
Vamos bater na criança que pede um doce, na criança que chora, na criança indisciplinada, no tontinho que faz muito barulho, no velhinho que fugiu e na mulher que chegou tarde a casa.
As vítimas da palmada de hoje serão os disciplinadores de amanha. Por pura negligência e preguiça. Porque custa parar um bocadinho para pensar, para perguntar ou para ler que outras soluções existirão. As crianças precisam de limites, ponto assente. Impor esses limites será inivitavelmente doloroso a dada altura. Fala-se um bocadinho mais alto, mostra-se uma cara mais séria, perde-se o sorriso. A isso junta-se o cuidado no tratamento dos comportamentos - os doces não se dão a pedido! Haja bom senso... Mas não batam na criança. Já nem os animais se educam assim...