2004-01-07

Fumos, flatulências e eructações

O pesadelo de um liberal: pregar a liberdade e querer reprimi-la tantas e tantas vezes!... Incomodam-me gravemente certas coisas. O título não é honesto. Incomoda-me tudo aquilo e muito mais - mas há coisas que incomodam com frequência, e outras só raramente se proporciona que incomodem.
O tabaco incomoda muito e muitas vezes. Principalmente nos últimos tempos em que passeio com uma grávida ao meu lado e não venço o instinto de bufar alarvemente para espantar o fumo alheio. Acho imoral! God bless America... estão tão à frente!
Entendo que uma pessoa tenha uma fraqueza. Um vício. Eu tenho os meus vícios... não são melhores nem piores que os dos outros. Têm a particularidade de não incomodar ninguém. Mesmo que não fossem vícios e fossem uma necessidade urgente (e aposto que há quem confunda o fumar com uma necessidade urgente), acredito que devemos preservar um certo decoro social - se incomoda, procuramos sossego, se não incomoda, ninguém tem nada a ver com o assunto.
O fumo incomoda. Sítios públicos fechados não são o sítio ideal para fazer uma fogueira e espalhar o fumo por todo o lado. Para já porque não é higiénico! Um bafo de cigarro expele uma pequena ogiva venenosa. As concentrações não são assim tão baixas. Mas depois é o cheiro. A repetição. A insistência.
Não tenho qualquer pudor em mandar umas sopradelas para cima do cigarro. Principalmente se estiver a ventilar para cima de mim. Recebo olhares reprovadores dos digníssimos fumadores. "Que bruto!" E mudam de mão... Outras vezes não mudam e parecem fazerem pior. Partilho educadamente que o fumo me está a incomodar (a vontade é espancar violentamente a pessoa, mas se tomar sempre o comprimido aguento o impulso), e muita gente toca-se e mostra um certo desconforto pela sua condição de viçiado e de polo perturbador da paz social. Outros não.
O pior é quando é um amigo ou um Sábio, que fumam descontraidamente sem pudor de incomodar. Dependendo do grau de confiança ou admiração pela pessoa travo-me, ou não com o comentário: Sabes que isso faz mal aos dois?
Gostava de saber em que momento passou a ser aceitável fumar-se em público sem pejo. Hoje em dia só uma criança ou um labrego evacuam gás intestinal ou uma eructação sem vergonha. Uma pessoa normal não o faz - sabe que incomoda e que é socialmente reprovado. Porque é que o fumo é diferente? Mesmo em casa... sabemos que há certas coisas que se fazem numa casa de banho para não partilhar com os outros. É uma cortesia que estendemos serenamente da nossa parte e que abraçamos com festa da parte dos outros.
Algo vai muito mal quando se aceitam costumes tão abusivos. É inevitável que despertem fundamentalismos (como o meu). E calmamente a lei terá de repôr a paz social. Em Portugal será muito calmamente. Os Ingleses e Americanos já se anteciparam. Entendem eles que se deve reprimir o fumar em sítios públicos e até em certas ruas. A publicidade está proibida. A venda a menores também. Na europa começam a ver-se algumas medidas, a saber: as restrições na publicidade e as frases nos maços.
Acho lindamente. Poderá demorar mas existe uma pedagogia óbvia. Todos olham, mas só que alguns _vejam_, já se ganha qualquer coisa. Pessoalmente preferia que se eliminassem os impostos do tabaco. Em contrapartida eliminavam-se as regalias do sistema nacional de saúde do fumador, que complementarmente deveria dispôr da respectiva prestação referente à segurança social para comprar um seguro de saúde. Se haveriam ou não empresas a cobrir esse risco não sei. Talvez algum fumador abastado se disposesse a isso... tenho as minhas dúvidas - não se chega a rico apostando em causas perdidas.
Neste momento todos somos obrigados a pagar pela saúde voluntariamente negligenciada pelos fumadores. Não é sequer um risco, é uma certeza que ficarão doentes e morrerão. Entre uma e a outra, são assistidos...
O sistema nacional de saúde não paga um tratamento de uma queda na neve e isso parece-me bem. Não é um risco normal e a pessoa que arrisca deve segurar-se. Porque é que o fumador é diferente? Que soldariedade é esta que se descansa com a oferta de paliativos a uma pessoa que sabe que está a morrer?
A teoria liberal responde a tudo isto mas não vos quero maçar mais... volto para a televisão.