2004-01-09

Gasolina

Anda a passear de mail em mail um texto novo com este título. Escrito em português, apela a que se faça um boicote às 3 marcas de produção e distribuição de combustível: BP, Esso e Shell. Companhias essas que dizem ser americanas... o primeiro disparate! A BP é inglesa (British Petroleum) e a Shell é Holandesa. Mas adiante. Diz o texto que se devem castigar estas grandes companhias uma vez que são elas que "impõem" o preço da gasolina e não a OPEP. Segundo disparate - a OPEP é um cartel de produtores que regula a produção de petroleo. Por meio desse controlo têm influência no preço do barril _que é em última análise uma emergência do mercado_! Ou seja, o cartel tenta aproveitar uma posição dominante para maximizar o seu lucro. Isto é um assunto pacífico, mas felizmente que existem outros produtores de petróleo que produzem as quantidades que lhes dá na gana, e os próprios associados da OPEP algumas vezes violam o acordo. O preço do barril encontra-se pontualmente quando alguém está disposto a pagar a mesma quantidade de moeda que um produtor está disposto a receber. Ninguém é obrigado a nada. Mas não é este o assunto determinante - o importante é reter que a OPEP a influenciar, influencia o preço do barril de petróleo, não o da gasolina directamente. Aceitem o meu purismo.
De seguida falam no dito boicote: se deixarmos de comprar gasolina a estes 3 distribuidores, eles serão obrigados a baixar o preço. Este é o real disparate! Antes de mais um esclarecimento: Shell, BP e ESSO não têm em conjunto, a quota da Galp na venda de gasolina em Portugal. A sua presença em Portugal é apenas marginal para as suas contabilidades - estão aqui por uma questão de imagem! O negócio de venda de combustíveis em particular não é o mais interessante - tanto que se fosse podiam facilmente esmagar a Galp e assumir posições dominantes. O nosso mercado é francamente pequeno para se preocuparem com isso. Seja como for, estão presentes, e assumem o seu papel. Convirá que se saiba que o combustível que vendem é refinado pela própria Galp. São portanto meros distribuidores e exploram com base numa margem pequena (cerca de 15$00, moeda antiga, por litro). Margem essa que em muitos casos perdem para os seus grandes clientes e que, espantem-se, reflectem mais de metade das suas vendas anuais! Explicando... menos de metade do combustível vendido é comprado pelo cliente individual... trocos! Um negócio mais interessante para estas marcas (e também para a Repsol e para a Galp) são os chamados negócios non-fuel, nomeadamente as lojas de conveniência e os serviços nas bombas. Este sim produzem uma margem decente. Mas adiante mais uma vez.
Estes distribuidores nos seus mercados de eleição, vendem o combustível infinitamente mais barato que o combustível que vendem em Portugal, não precisam de qualquer estímulo para que baixem os preços, nem nunca os baixariam por pressão do cliente. Poderiam fazê-lo por pressão de uma concorrencia mais competitiva.
O problema dos nossos preços é obviamente o Imposto sobre Petrolíferos, e portanto desengane-se quem pensar que vai ver uma baixa enquanto o ISP não baixar ou desaparecer. Veremos com certeza algumas baixas em lisboa, que serão compensadas com aumentos nas auto-estradas ou em bombas mais remotas, e é evidente que isso é mais justo - força a competição! Onde há muitas bombasos preços baixam, onde não há sobem. Se alguém achar que consegue vender mais barato numa zona remota, está no seu direito de ir afrontar a bomba que lá esteja e esperar um lucro... existe libertade e estímulo para que assim seja.
Pessoalmente, e apesar de ser alérgico a impostos, tenho de admitir que o ISP tem uma externaliade positiva que é o facto de controlar o número de carros a circular. Quanto mais alto for o preço da gasolina (que é um bem complementar ao automóvel), menos procura haverá tanto de carros como de gasolina - isso é positivo para o ambiente e para a racionalidade nas estradas.
Por outro lado, o português médio é tão pouco sagaz, que põe a posse de um carro à frente da educação dos filhos (e da sua própria educação e cultura), da poupança, do investimento, da segurança. Portanto, mesmo com um preço do combustível elevadíssimo (e artificialmente elevado), continua a pôr toda a sua alegria num carro, e perde-se algum do efeito do desincentivo à procura de combustível e sua subsequente queima. Ainda assim, haverá algum efeito, porque há sempre gente racional, e há gente que tem mesmo tão pouco que não se pode dar a esses luxos. Luxo esse que por sua vez é cada vez mais paradoxal... não vejo beleza nenhuma em pasar horas enfiado no transito partilhando estradas miseráveis com autênticos selvagens... mas isto sou eu! Se calhar é por isso que eu ando de mota. E que vou continuar a abastecer na Shell...