2003-12-16

Dor

A dor não existe. O corpo produz uma determinada endorfina de protecção se acha que há perigo. Se não houver perigo a dor é facilmente ultrapassável. Este é o corolário da dor no desporto. Se doi porque estamos cansados ou porque fizemos um hematoma, procura-se mais concentração e segue-se com o treino ou com o torneio. Aprendi assim e é assim que continuo a fazer. Serve para muito mais que o desporto. A mente é poderosa para ultrapassar uma infinidade de obstáculos. Basta haver vontade e acreditar. Não vejo outra explicação para um atleta correr 20, 30 ou 40 km. Para nadar 3000 metros. Para combater um adversário mais forte. A dada altura parece realmente que doi, mas caramba... se aquele gajo ali à frente está a conseguir, porque raio não hei-de conseguir aquilo e mais um bocadinho?
E se formos saudáveis não há desculpa. Só há desculpa quando se entra na alta competição, mas vai daí... se lá chegarem, o caminho é bem claro! O 1º já andou atrás de alguem a dada altura.

Numa outra vida fui um atleta dedicado. Treinava muitas horas por dia. Os objectivos eram longinquos. Volta e meia pensava que não ia aguentar aquela 5a hora ou aqueles ultimos 5 km. Valeu-me a teimosia e o orgulho. Se doi agora, depois passa. Passa sempre. É isto que as pessoas esquecem quando fazem um arranhãozito. Epá, nem que seja daqui a um par de dias... tudo passa! Sorrindo e latindo. Respira-se fundo e muda-se o canal. Torna-se quase num prazer manter a compustura debaixo de dor.

Tive uma vez uma dor que não consegui controlar. Fiz uma luxação do fémur num acidente de mota. Os bombeiros na melhor das vontades esticaram-me as pernas e assim fiquei umas 3 horas. Nas urgências os ortopedistas estavam de volta de um sinistrado pior e não fui sequer triado decentemente. A dor era insuportável. Tanto que vomitei várias vezes sem controlo. De tempos a tempos o corpo comecava a tremer e a anca parecia explodir. Não havia uma posição de conforto e não fui anestesiado.
Era realmente grave e aquelas 3 horas de inoperância facilitaram uma necrose parcial. Percebi que apesar de tudo ainda não dominava completamente a dor. Mas também não fiquei traumatizado. Nesse dia, como nos outros, a dor acabou por passar. Não há que ter orgulho ou vergonha disso, apenas consciência.