"...são só mais 10 cêntimos a cada um!" IV
Stauss é um autor fundamental para entender a postura liberal. Em “Three waves of modernity” critica os relativistas e justifica a erosão dos valores do Direito Natural Clássico. Em “What is liberal education” invoca a necessidade de se regressar aos grandes clássicos como fonte de educação. Com efeito, e cito João Pereira Coutinho: “Quando comparamos a nossa ridícula existência com as existências literárias que fomos acumulando na estante, tudo se torna incomparavelmente mais insignificante. Mais triste. Mais inútil. Porque a grande literatura não nos torna maiores. Torna-nos menores. E torna tudo mais pequeno. Podemos amar a donzela da praxe com devoção e zelo.[…] Mas, honestamente, algum dia amaremos alguém como Dante amou Beatrice? Como o Quixote amou Dulcineia? Como Bendrix amou Sarah sob um céu carregado de demência e morte? […] Como se os Clássicos existissem para impedir qualquer originalidade. E existem mesmo. Podemos arquitectar a mais bela história do mundo. Mas já está tudo em Ésquilo, Sófocles, Eurípedes. Aventuras? Homero, Virgílio, Camões. Amor? Chaucer, Dante, Keats. Vingança e tragédia? É favor chamar o sr. William Shakespeare à recepção.”, está tudo escrito! E existem poderosas fontes de inspiração exorcizadoras de qualquer relativismo ou positivismo moral. Mais uma vez, o reconhecimento de que o génio não está igualmente distribuído, e que no limite não se pode escravizar um homem que é um ser eminentemente livre de pensar e perseguir os seus objectivos, respeitando uma ordem natural.
Por fim, a posição original de Rawls e a Entitlement Theory of Justice de Nozik.
Rawls constrói um modelo peculiar como teoria de justiça numa sociedade bem ordenada. As premissas para o seu véu de ignorância: não conhecimento das nossas aptidões naturais, não conhecimento da nossa posição social e a não existência de concepções particulares do bem, não colhem. E ainda que colhessem, os princípios de justiça na distribuição não são pacíficos. Na teoria de Rawls não há nada intrinsecamente meritório, no entanto Rawls prevê diferenças na alocação final dos bens. Trata-se de um jogo onde se minimiza o risco, mas ainda assim um jogo. O jogo rege-se pela lei da sorte e do azar. A lógica matemática de minimizar o risco é especulativa, e portanto, ainda menos meritória que a lotaria genética e afins. Rawls não reconhece o meu direito incondicional aos 10 cêntimos do ovo, nem aos 10 cêntimos que eu pouparia por ter menos apetite, ou os 10 cêntimos que eu ganharia por trabalhar mais uma hora.
Nozik pensa diferente. Explica-o com a ajuda de Wilt Chamberlain – o jogador de Basket, que por inspirar multidões, acaba por jogar no seu tempo livre para que mais fãs o possam ver. Wilt joga apenas pela sua boa vontade mas existe uma caixa de donativos onde os fãs poderão gratificar simbolicamente o jogador. A caixa enche e Wilt fica zilionário. Será isto justo? Mais uma vez, se aceitarmos que as gratificações eram propriedade dos fãs, e que estes tinham liberdade de dispor delas – sim, é justo. Injusto seria retirar o dinheiro a Wilt, subvertendo a vontade de quem tinha o dinheiro e o quis dar livremente.
Nozik completa a teoria: havendo justiça na aquisição e transferência, e uma compensação sempre que isso não aconteça, estamos perante uma posse justa. Também Nozik acreditava num estado mínimo em mais uma aproximação a Hayek.
Em jeito de conclusão resta consolidar os pontos de vista. A saber: uma sociedade deve ser o produto da livre interacção entre os cidadãos limitada pela lei. O mercado é uma emergência dessa interacção. A ele se recorre para trocar trabalho ou poupança por bem estar. Algumas pessoas sentem pudor em descentralizar a sua responsabilidade pessoal e familiar ao estado. Preferem receber deste uma segurança eficaz (no sentido de administração interna: bombeiros, polícia, militares), uma política externa bem gerida, e um sistema de justiça que proteja as liberdades, propriedade e vida de cada um. O estado deve também assegurar uma rede de protecção abaixo da qual nenhum cidadão poderá descer. Esta rede de protecção seria eficaz sempre que a família ou as reservas de um indivíduo falhassem – em último caso portanto. O individuo teria interesse em libertar-se dessa ajuda logo que possível, aceitando o princípio de que haverá necessidades a suprir e que ele pode aproveitar essa oportunidade. Em troca verá as suas necessidades satisfeitas. Existe um estímulo para acrescentar à sociedade algo de útil e de valor para o máximo de pessoas. Depois para as fatias intermédias, e finalmente para os nichos. Haverá sempre algo para fazer, e alguém disposto a pagar por esse algo. A entrada do estado no jogo descriminando positiva ou negativamente um sector, desincentiva os sectores favorecidos e canibaliza os complementares arrepiando as vontades de milhares de agentes que deveriam ser livres de escolher o que deve resistir e o que deve caducar.
Uma sugestão que acabará por se gastar com o tempo: convidem-se empresários de sucesso, profissionais de destaque e elites intelectuais para ensinar nas escolas. Ensine-se a iniciativa e a pró-actividade. Libertem-se os fundos cativos em actividades que não são da competência do estado por meio de uma baixa radical dos impostos. Elimine-se a burocracia e quebras de competitividade no mercado da habitação e arrendamento.
Seriam tantos e tantos 10 cêntimos aplicados livremente. Seriam tantos e tantos agentes em franca ascensão social. E o que se eleva converge… Mas acima de tudo haveria o livre gozo do produto do trabalho de cada um. Quem mais terá mérito para o gozar?
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