2004-01-29

Gorjeta

Bem... quem leia o post dos 10 cêntimos e passe directo para este vai achar que eu sou um tipo que não gosta muito de ir ao restaurante ou que tenho uma fixação qualquer com as normas instituidas... e pensa muito bem! Para quê enganar-me?
Não gosto de dar gorjetas. Será com certeza resultado da minha profunda avareza mas gosto de me justificar com um pensamento pseudo-moralista libertador: gratificar uma pessoa diminui! Diminui! Diminui a própria pessoa, diminui o gratificador e diminui o serviço. "-Toma lá 100 escudinhos porque foste simpático. Sou eu que dou... para veres como sou generoso e sei recompensar. O feijão também estava bom (pareceu-me um bocadinho caro, e dispensava os ossinhos escondidos) e já o paguei... mas vai mais esta moedinha por fora para ficares a gostar de mim. Ou para não achares que sou um teso."
Não gosto. Desvirtua o princípio da coisa. Desvaloriza a troca inicial (e que é o sumo da relação entre os agentes). Do lado de quem compra deve haver a preocupação de pagar um preço que seja adequado ao benefício que se vai gozar. Se não gosta, reclama e não volta lá. Se gosta, segue o seu caminho. Se gosta muito pode sempre voltar para repetir a experiência.
Do lado de quem vende a preocupação deve ser oferecer o produto/serviço que justifique o preço em termos de valor percebido para o cliente. Já deve ter decidido quanto quer lucrar com a venda - se acha que merece mais aumenta o preço! Se realmente merecer, alguem ha-de pagar. Se não merecer não é com gorjetas que lá vamos.
A moedinha é uma coisa triste e redutora. _Dar_ dinheiro é um disparate económico. É uma desvalorização do nosso trabalho. E aceitá-lo _dado_ é outro disparate. Acho humilhante mesmo!
Aqui há ums tempos um dos meus alunos trouxe um pagamento adicional às lições que eu tinha dado. Estava agradecido por ter tido sucesso e quis premiar-me. A intenção era boa. Obviamente não aceitei - "Para aceitar esse dinheiro tinha de te dar outra lição - não faz sentido uma vez que estás aprovado". Senti um espanto extra-terrestre. Um gajoque não aceita dinheiro deve ser tonto!
Não... não aceito dinheiro de estranhos da mesma forma que não ofereço lições de borla. Se oferecesse estava a dizer que o meu trabalho não vale nada. _Dar_ dinheiro quer precisamente dizer que esse dinheiro não vale de nada para nós.
No processo minimizamos o próximo.
O meu Pai contava-me que tinha um amigo que costumava andar enrascadissimo de dinheiro mas não se coibia de deixar expressivas gorjetas por onde passava. Esse amigo não era melhor pessoa por isso, pelo contrário... frequentemente pedia dinheiro emprestado com o argumento de que as filhas estariam com fome. Esse tipo sim merecia uma gorjeta... uma esmola. Pessoas que trabalham e se levam a sério não precisam de esmolas.