2004-02-27

Pátria

Outro dia confessava a um conhecido que ia emigrar e ele partilhou comigo que nunca conseguiria fazer o mesmo. O argumento: Patriotismo! "Não vou porque não me ia sentir bem a melhorar outra economia quando esta é que precisa do meu esforço, tenho aqui raizes e aceito o custo de ganhar menos pelo mesmo trabalho". Respeito. Eu vou precisamente pela mesma razão... vou por amor à pátria e às raizes... simplesmente a minha pátria é a minha família.
Sinto-me demasiado responsável com a vida que vou proporcionar aos meus filhos. Tão responsável que sobra para os netos e ainda fica um bocadinho para os bisnetos e trisnetos que provavelmente não conhecerei. Farei por poder influenciar positiva e activamente as suas vidas. Não há nada acima disso. Tudo o resto é circunstancial e ultrapassável, e reconhecço a enormidade que estou a dizer.
Uma boa educação custa uma fortuna. Um bom ambiente custa uma fortuna. Uma fortuna custa uma fortuna. Não é em Portugal que eu vou gerar essas fortunas... muito menos com a minha alergia ao trabalho. Irei para onde possa angariar os fundos mais maduros e disponíveis. Tudo pela pátria e assumindo o custo que isso implica. Respeito outras opções.

Ausência e trabalho

Não tenho desculpa. A razão principal foi a preguiça. Mas também há a escritura da casa, as obras, as decorações, o trabalho.

Trabalho... aí está um assunto por falar. Não gosto obviamente de trabalhar. Há demasiadas alternativas muito melhores. Trabalho porque tenho de trabalhar e só o farei até ser necessário. Desse dia em diante serei um porco capitalista sem o mais leve remorso. Seja como for... daqui até lá é mais que certo que terei de o fazer. Evidentemente escolho fazer o mínimo que me assegure o maior retorno. Devo ter um certo jeito... consigo bons rácios input/output, trabalho as horas que me dão jeito e faço a coisa mais gira que me vem à cabeça - ensino aos outros o que já aprendi. É um exercício como outro qualquer. A mim dá-me jeito pelas externalidades - a repetição consolida alguns conhecimentos, a resposta às diversas questões obriga a relacionar as matérias e a desenvolver a capacidade de as explicar. Isso ajuda-me a alcançar (aqui e ali) o conhecimento do tipo III. Passo a explicar: tipo I- Eu percebo determinada situação. Tipo II- Eu percebo e consigo explicar. Tipo III- Eu percebo, consigo explicar e consigo fazer perceber. O conhecimento de tipo III no assunto A puxa o conhecimento de tipo III dos assuntos An complementares e respectivas fronteiras. A mim interessa-me o conhecimento e daí o meu gosto.
De resto faço-o porque paga o meu consumo e a minha poupança. A minha ambição não me permite trocar o trabalho que faço por lazer ou estudo. No entanto, o objectivo é assegurar o consumo e a poupança, nunca é o trabalho em si. Sentir-me-ia um imbecil se assim não fosse.

Tendo pensado um bocado nisso ocorreu-me que não há salário no mundo que me pague todo o consumo e poupança que necessito (isto liga com o próximo post "Pátria"). Preciso por isso de me "orientar" por conta própria... ter um negócio, um investimento, uma renda... Mesmo com a minha actividade (agradavelmente bem paga), e mesmo que trabalhe muitas horas, não consigo gerar o dinheiro suficiente para construir o negócio, o investimento ou a renda. Não consigo _aqui_... vou por isso, para fora! Não tenho bem definido para onde vou mas gostava que fosse ou os Estados Unidos ou o Canadá. Porquê? O mercado é fabuloso em dimensão e especificidades. As sociedades são evoluidas. A cultura agrada-me por demais. (Além disso, ganha-se dinheiro à parva!).
Num mercado desses facilmente geraria o dinheiro certo para poder deixar de trabalhar ainda fresco e poder gozar a curta vida que é permitida a um humano.

Agrada-me esta perspectiva... Força miúdo! Trabalhas agora, para poderes ir embora, onde trabalharás para poderes deixar de trabalhar. O tempo é curto e a paciência também infelizmente...

2004-02-13

Vento na Cabeça

O que é que um portugês sem nada para fazer, um centro de saúde e uma biblioteca têm em comum?
Aparentemente nada.
Post rápido para libertar um bocadinho de stress...

Dou comigo num centro de saúde para mudar um penso. Tenho Médis e ocorre-me reclamar os meus direitos, mas concedo que no centro de saúde terei muito mais tempo para ler o meu livro e para cobrar os impostos disparatados do ano passado. Sento-me no meio de 8 idosos com as suas vacinas na mão ou os seus lencinhos do catarro. Tenho admiração pelas pessoas mais velhas... principalmente quando tiveram vidas ricas ou quando mostram grande vontade de continuar a viver. Desta vez não encontrei nenhuma destas características e fiz um grande esforço para fechar a minha ouvidura e concentrar-me no brilhante Lodge. Um esforço escusado com o berreiro que ia naquela sala discutindo reformas, filhos, lei e costumes. Não havia uma posição com cinco minutos de reflexão estruturada ou baseada na mais leve realidade factual. Devaneios e disparate. Diz isto o infante, riam-se à vontade... mas a estória é minha e eu conto-a como me apetecer.
O tempo passou e consegui criar antipatia com todos eles que apesar de puxarem por mim não levaram nada. Costumo ser simpático e cordato sempre que posso, mas naquele momento seria demasiado violento concordar ou não concordar com algum deles. Até que a dado momento chega uma senhora também idosa, que com ordens da médica se dirige directamente à porta da enfermeira e lhe entrega uma folha. Antes de a enfermeira vir à porta já os meus vizinhos bufavam disparates e queixumes, ignorando por inteiro que aquela senhora podia efectivamente ter um caso mais urgente que as suas vacinas (e na verdade tinha mesmo, tanto que ainda tinha de chegar a tempo de voltar a ser consultada e estávamos perto da hora de saída da médica). A enfermeira manda a senhora entrar, parece que lhe aplica umas gotas e manda-a esperar pelo resto do tratamento de aerosol. A máquina estava ocupada com uma outra pessoa e não havia mais ninguem à espera para esse tratamento. Isso ficou claro nos primeiros 30 segundos de conversa, o que não impediu uma selvagem discussão de todos contra a senhora (que só fez o que lhe madaram...). Um dos atacantes era especialmente ruim e não tinha um pingo de educação ou sensibilidade no seu avantajado corpo.
Não conseguia ler o livro com o barulho. Não queria entrar na conversa por me faltar capacidade e clarividência para chegar a tão pequenas mentes. Não conseguia compreender como é que se chega àquela idade com tão pouco nexo e se consegue manter tanta lucidez para se ser mau.
Ocorre-me a dada altura a desculpa de toda a estupidez - "provavelmente têm muito pouco que fazer... preocupam-se com o que não devem. Havendo público... Deus permita que se façam ouvir e que fiquem com uma estória para contar aos compadres amanhã à tardinha durante a sueca."
Fiquei revoltado com a falta de civismo. Não tanto com a perturbação da minha leitura. Que pena não terem todos uma cópia do meu livro para viajarem dentro da cabeça de um génio que os faria sentir pequeninos perante a grandeza, e não infímos perante a pequenez.

Recentemente abriu a nova Biblioteca Municipal Orlando Ribeiro que costumo visitar diariamente. Costuma estar cheia de jovens a estudar para os exames do semestre de inverno, pontualmente uma ou outra pessoas de meia idade consultando livros e apontamentos para um estudo académico. Eu vou lá chular tudo o que possa... não é uma biblioteca grande mas tem milhares de livros que nunca li e que quero ler, uma modesta colecção de DVD's e uma pequena amostra da nossa imprensa mais popular. A Biblioteca é muito bonita do ponto de vista arquitectónico e talvez lhe falte um bocadinho de espaço... mas assim como assim eles emprestam tudo o que se queira!

Aposto que se os meus camaradas de espera passassem de vez em quando pela biblioteca, o episódio não teria acontecido. Ninguem se teria melindrado minimamente e todos virariam naturalmente mais uma página dos seus livros, lamentando quando fosse a sua vez e esperando ansiosamente pelo retomar da leitura.

Com vento na cabeça é natural que a discussão seja o ponto alto de um dia cheio de coisas bonitas.

Para a próxima recorro à Médis.

2004-02-09

Amarga alegria

Ontem, enquanto ajudava um amigo numas bricolages fiz um apreciável corte no dedo. Não vou entrar em pormenores mas sangrava como deve ser. Como macho, que gosto de parecer, agarro num bocado de papel e embrulho despreocupadamente à volta da ferida. O meu amigo queria demaiar mas eu nao deixei. O dia passou-se e a ferida não cicatrizou. A minha mãe obrigou-me a ir ao hospital e lá fui eu resignado, com uma Exame debaixo do braço e a mão bem elevada para não sujar os estofos em pele do carro do meu pai. O meu último comentário foi: "provavelmente esta revista não vai chegar..." mas não quis arriscar levar um livro que certamente sujaria de sangue.
Chegado ao Hospital, e apresentando o meu BI a senhora já sabia tudo sobre mim. Cumprimentou-me e mandou-me imediatamente para uma sala de tratamento (reservado a pacientes a sangrar ou necessitados de cuidados urgentes. Tive alguma vergonha de apresentar só um cortezinho no dedo mas resignei-me e lá me fizeram um pensinho enquanto nao fazia a triagem. Feito o penso o enfermeiro indicou-me um segurança que me levou até à primeira sala de espera. Demorei 2 minutos a ser chamado para a triagem, tanto que não deu tempo de pedir para consultarem o meu livro de vacinas em casa. Médico muito simpatico - duas perguntas - Por favor dirija-se à pequena cirurgia e faça esta vacina para o tétano.
Outro segurança mostra-me o caminho. Espero 5 minutos e sou de novo chamado. Pelo caminho, agradável conversa com uma enfermeira galega que me apresenta o médico que me vai suturar, tambem galego. Todos muito simpáticos e prestáveis. As instalações bem iluminadas e limpas, o tratamento sempre cordial e afável.
Leve anestesia que mais uma vez me envergonhou e sutura rápida. Pensinho. Por favor dirija-se aquela sala para fazer uma injecção. Mais 5 minutos e sou vacinado. Passam-me um papelinho para mudar o penso e tirar os pontos e mandam-me embora.
Não consegui ler um artigozinho da exame. Não consegui dissecar uma pessoazinha da sala de espera. Não consegui apanhar uma cena da telenovela. Não se proporcionou mandar uma mensagem escrita para a mulher e projecto de filho.
Impressionante... É tudo mentira. A triagem funcionou. O tratamento foi rápido. Não andei a pappear daqui para ali sem propósito. Não tive de pagar um tostão de taxa moderadora. O serviço público funcionou! Aliás... para mim as idas ao hospital, que me lembre, sempre funcionaram lindamente - sem esperas, sem stress - o oposto do que todos os amigos e conhecidos contam. Ora, eu não sou especialmente bonito ou simpático que justifique esta diferença de tratamento... o que me distingue talvez é ser dador de sangue. Realmente costumo ser tratado como um rei...
Por isso é que lhe chamo a amarga alegria. O meu pendor liberal abomina o serviço publico que não esteja directamente ligado com a segurança e com a justiça. No meu ver, os outros serviços deviam ser comprados individualmente seguindo as leis do mercado. Não penso isto por estar traumatizado com o serviço público (a minha experiencia com os hospitais não é de todo má), mas acredito que seria muito mais eficiente de outra forma. Já com a escola, com as obras publicas, com a intervenção económica a minha experiencia é traumatizante, e não há maneira do estado acertar se não ficar sossegado no seu cantinho a aprender como se faz.
O dedo doi um bocadinho, mas doi muito mais a pornografia de impostos que vou ter de pagar em troca de tão pouco...

2004-02-05

Israel

Este post está atrasado uns dias. Quando inicialmente o quis escrever estava cheio de raiva por ter acabado de ver o seginte video. Continuo cheio de raiva mas vou-me conter.
As imagens são chocantes. Mostram a destruição de um atentado minutos depois da explosão. Registam a morte de mais uma dezena de inocentes que estavam a fazer a sua vida normal, sem chatear ninguem. Há uma imagem com um livro de geometria aberto que nos leva numa viagem tntando entender como é que um jovem, preocupado com os seus estudos, tentando construir o seu futuro é de repente assassinado e a sua morte é festejada como uma vitória militar.
Roubei o link do Homem-a-dias, da mesma forma que roubei este outro link.
Não gosto de violencia gratuita mas acho que a resposta a uma agressão destas (onde o alvo são inocentes) devia ser tão arrasadora para os autores como a provocação foi para os agredidos. Devia ser uma resposta que ferisse a sua moral, que lhes tocasse tão fundo como toca a um ocidental ver um livro de geometria chamuscado no meio da rua a seguir a um atendado. Não vejo paz possivel enquanto não houver guerra a sério. Depois... cada um vai para seu canto e o primeiro a transgredir assume as consequencias. Algo me diz que o primeiro a transgredir será sempre o terrorista que não aceita a diferença do outro e que impõe a sua disciplina atacando civis... e nesse caso, responda-se em voz alta que aquilo não se admite!
E se pareço radical por favor sigam de novo este video.