2003-11-29

Passeio de famí­lia

Acordo cedo para irmos dar um passeio. O roteiro de hoje passa pelos acontecimentos arquitectónicos semi-modernos - a Escola Superior de Comunicação Social e a Torre do Porto de Lisboa. Já em Belém, e a propósito da conversa, surge o valor da família. Porque é importante o culto da família... o que isso trás de bom... o que a ausência trás de mau.
Foi recentemente que começei a reconhecer como é importante haver um sentimento de posse a um grupo - se não natural, o mais natural possível. Como é importante socialmente haver uma primeira barreira que impeça o falhanço, que promova o equilíbrio, o apoio, a solidareidade espontânea, um modelo estável mais ou menos interactivo até que se forme outra família e por aí em diante. Sinto que se hoje não temos uma sociedade ideal é porque isso falhou. A dado momento alguém com responsabilidade marginal deixou de se importar... ou o meio assim o permitiu. Alguém despromoveu a família na piramide das prioridades. Poderá ter sido por doença, azar circunstâncial, desleixo, incapacidade... não dá para saber. Mas falhou, e falhou a vários níveis - porque uma família tem normalmente um mínimo de ramificação que lhe permita substituir-se em caso de necessidade. É claro que deixo de parte uma enormidade de casos de pessoas que mudaram de sítio por uma pluralidade de razões, escolheram ter uma família menor por racionalidade, gosto ou impossibilidade, e tudo se complica...
Muitas vezes me perguntei se estaria na família ideal e se os exemplos que tinha seriam os melhores. Muitas vezes a rebeldia e a imaturidade pareciam saber responder. Outras vezes tinha realmente razão, e a pergunta justificava-se. Mas nunca me faltou família. E isso permitiu-me acreditar que não estou limitado. Acreditar profundamente aliás.
Manter uma família funcional não pode ser fácil... nem tem que ser! Não me cabe no juízo pensar que posso andar cantando e saltitando, e quando dou por ela estou no meio de uma família estável, com uma mulher adorável e com os filhos formados. Mas o rio inspirou-me... a companhia era a certa para dar vida a este projecto (ela é arquitecta... não sabem a alegria que isso me dá!), e no fundo acho que isto já me estava no corpo. O "simples" acto de dar vida... que parece acontecer espontâneamente em qualquer barraca deste país, galopa monte acima no conjunto de sucessos que alguma vez possa vir a ter. Nada me fará mais orgulhoso. Nada me frustrará mais falhar.

Discussão conjugal

-Então e hoje... andaste bem disposta, tiveste apetite, sentiste náuseas, doeu-te o peito?
-Hum... mais ou menos... porquê?
-(pausa) ... devias ler o livro que te dei. São sinais importantes!
-Caramba! Sempre essa conversa, não li o outro por acaso? Vens-me sempre com essa conversa!
-(pausa) Tu já viste o meu papel? O que é que eu posso fazer? Tambem quero fazer parte da gravidez!
- Coitadinho... tem razão o meu amor.

É bom quando as coisas acabam em bem.

2003-11-28

Alguém que se ria das minhas piadas...

Recebo queixas sobre o post "Tudo o que é pequenino é bonito". Põem em causa o meu trabalho estatístico. Contestam a média harmónica e afirmam que esta medida de localização particular devolve relações inversas de quantias fixas (em rigor é mais complexo) e temo pela veracidade das minhas afirmações.... Consinto e repito as contas. Como deitei fora a folha onde escrevi os números de base na outra análise pego em nova folha e escrevo nova quantidade de números aleatórios. Desta vez decido fazer uma média aritmética depois de eliminar os outliers. Carrego o Excel e computo... 90, 01%! (arredondado à 2ª casa decimal). Sinto alívio. Estive muito perto. Mas concedo... as coisas têm de ser feitas com rigor!

Filosofia e pedantismo

A pergunta é honesta. Mas será que eu percebo o JPC (ou assim como assim, o Mexia ou o Lomba, ou ... seguir os links à direita e os links desses links ad nauseum)? E por uma questão de coerência outra pergunta se levanta... Será que eles me percebem a mim?
Ora o que é perceber? Existem vários níveis de percepção? Para perceber basta apanhar um desses níveis ou é preciso ir até ao fim? Existe isso de ir até ao fim? O emissor pensa A, consegue dizer A, o receptor ouve A, percebe A, retém A, reconstitui A e utiliza A? Claro que não! O processo quebra-se em cada um daqueles passos ("Formar é Fácil", Luis Filipe Cardim). No entanto... Há uma essência inequívoca! Percebe-se a essência se for possível uma conversa sobre o assunto. Algo que não obrigue o emissor a dizer "Hã?!!!" (se calhar a culpa também foi sua).
Não tenho por hábito deixar passar as coisas sem as perceber... mas nada me garante que as estou realmente a perceber. O meu último post fala das coisas um bocadinho pela rama... não quis parecer um vaidoso e daí esta recensão. Falava do desinteresse pelo saber, pela crítica, pela opinião fundamentada. Era aí que eu via a falha do bebé cheio de potencial.
A bem da coerência... não me posso sentir incomodado com isso. Não estaria a respeitar a liberdade de cada um. Não é bonito impor morais ou condutas. Vou refrescar as minhas lições de Ciência Política. Ler com um pouco mais de atenção Berlin e Oakeshott. Talvez volte ao assunto.

Tudo o que é pequenino é bonito

Passeio na rua e olho as pessoas. Robustas, autónomas... fazendo a sua vida. Comemoro o óbvio: já foram crianças... já foram bebés. Um dia (e durante muitos dias) foram a preocupação máxima de um casal. Foram os mais bonitos, abafados com atenção e mimo. Foram educados pelos melhores preceitos, vestidos com roupas quentinhas, alimentados com cuidado. Olho de novo... não bate certo. Vejo lacunas. Algo falhou... 90% destas pessoas não percebem o JPC (cheguei a este resultado escrevendo aleatoriamente números numa folha de papel seguido de uma média harmónica). Não é grave não o perceberem - é grave não o quererem perceber. Pior que isso... não ligam. São inclusive capazes de se zangar se o assunto lhes fugir da novela.
As pessoas que vi têm saúde. A saúde vale mais que o esclarecimento. O esclarecimento vale mais que a saúde. Não me consigo decidir. Vou fazer o que posso para salvaguardar ambas dentro da minha família. Mas vou passar a guardar esta imagem das pessoas enquanto bebés - bonito, frágil, veículo de esperança para o mundo. Tentar entender o que as estraga... ou o que correu bem.
A verdade é que não tenho assim tanto que fazer.

2003-11-27

Hum... II

Sou criticado pelo meu último post. Aparentemente sou insensível às agruras da sociedade moderna. Nada mais errado. Também faço contas... também conto o dinheiro que tenho. Apenas não me resigno, nem me revolto contra o rico. Tenho um certo pudor em receber dinheiro de um estranho, e isso vem provavelmente do pavor que tenho que um estranho me venha pedir dinheiro a mim.
Quero que os meus filhos sejam beneficiados pelo meu trabalho e poupança. A minha motivação é... serem meus filhos! Sou, acima de tudo, meio responsável pela sua existência nos moldes imediatos. Além disso... amá-los-ei de morte - será o suficiente para os querer proteger? Certamente que sim... mas depois há o resto. O seu privilégio é da minha responsabilidade, a sua educação também. Preocupam-se os estranhos que eu estrague os meus filhos... Sorrio. Ora observem...

2003-11-26

Hum...

Leio avidamente Papiernik. Um Professor de Medicina. Um Obstetra françês muito famoso. Papiernik sabe do que fala e respeito o seu saber e opiniões.
Hoje, a propósito das «grandes etapas da obstetrícia» e sobre a forma como a criança deve vir ao mundo, leio a sua opinião acerca do método de Frédéric Leboyer. Este defendia que a criança deve ter um parto sem stress, passando directamente para o contacto com a Mãe - atrasando o corte do cordão umbilical, das pesagens e afins, de forma a minimizar o choque que é passar de um meio calmo para o nosso mundo com barulhos, luz e movimento.
Papiernik agradeçe o mérito de humanizar o acto do parto mas avança bruscamente:
"Este desejo de afastar a «violência» ao recém-nascido parece-me que faz parte de um modo de pensamento específico dos homens do século XX: tudo se passa como se eles pretendessem absolutamente controlar, manipular, criar outra vez a criança.
Ora, um dos elementos de maturação psíquica da mãe é reconhecer que o seu bebé não é o prolongamento de si mesma mas um ser autónomo, que tem direito a manifestar a sua diferença.
Com as melhores intenções do mundo, temos tendência a esquecer o respeito pela personalidade da criança vindoura. Desejaríamos escolher o seu sexo, proporcionamos-lhe «boa» música quando ainda está in utero, enfim, organizamos-lhe uma entrada na vida ditada por esquemas de pensamento que são sem dúvida reveladores da nossa própria frivolidade e da nossa falta de confiança em nós próprios."
Paro para pensar. Rejeito à partida a nuance socialista do texto. Ofende-me a abstração moral... o desligar... o deixar estar... por mais conservador que me sinta (numa perspectiva Oakeshottiana). Reflicto sobre a frivolidade e falta de confiança... são flagrantes... abraço-as com gosto. Acredito serem pilares tanto da ambição como da inveja. Servem igualmente os dois propósitos se bem que de forma gritantemente oposta.
Faço tenções de preparar os meus filhos para atingirem um tecto que sirva os seus propósitos. Faço tenção de os proteger. Tudo terá o seu tempo. Haverá também um tempo para se distinguirem intelectualmente e encontrar a sua autonomia. Contudo não acredito em roturas radicais - não ao nível de educações preocupadas e presentes. Há com certeza um prolongamento. Acho lindamente que haja!
Era Platão que defendia a separação por altura do parto entre pais e filhos no interesse da sua sociedade ideal. Temia que uma Mãe beneficiasse o seu filho em prejuizo dos outros e isso desvirtuava a procura pelo bem comum da sua organização. Platão foi o primeiro comunista famoso. Não tenho muita simpatia intelectual por ideias comunistas... Esquecem o fundamental - a natureza humana! Uma pessoa procurará sempre servir os seus próprios interesses e os da sua família. Quem não o faz tem defeito. Mudar o mundo para servir os defeituosos?!... Que disparate!

2003-11-25

Será sorte ou estou a crescer?

Não sou um falso modesto. Pelo contrário... sou um verdadeiro imodesto! Às vezes tenho um certo pudor em masturbar o ego à frente de estranhos. Hoje não estou para isso. A vida corre-me bem. Pareço mais inteligente (será possível?), mais produtivo, mais atento. Abro a boca e faz-se silêncio. Os resultados vêm e era eu que tinha razão...
Admito estar diferente. Sinto-me observado. Não é desconfortável.
O meu Pai dizia (provavelmente citava alguém... não me recordo) que começamos a ser Pais (ou Mães) 20 anos antes de os nossos filhos nascerem. Só superficialmente percebia o que ele queria dizer... o que mesmo assim me permitia parar muitas vezes para pensar se devia fazer esta ou aquela escolha do ponto de vista de um Pai... e muitas vezes desacelarei a mota ou travei um impulso irresponsável... Não há nada que eu tenha feito que um filho meu não possa legitimamente querer fazer, apesar dos avisos. Nada que eu tenha feito nos últimos 10 anos pelo menos.
Tento compensar o mau com o bom. Já não tenho assim tanto tempo até que ele consiga fazer um balanço e avalie a utilidade dos meus exemplos.
Se calhar é por isso que me tenho esforçado um pouco mais. Nem sequer é consciente... mas sinto-me observado.

2003-11-23

Nature is God and God is Nature

É fabuloso o corpo de uma mulher... Vou deixar a parte fácil por falar. Que é bonito, coisa e tal, harmonioso e delicado... ou se gosta ou não se gosta... não dá para estar a explicar. Mas existe algo mais... algo misterioso e extraordinariamente complexo. Belo... perfeito diria mesmo! A parte biológica... a engrenagem da mais poderosa máquina de descodificação... um fenómeno à altura de um utópico manipulador universal. Visto de frente: o corpo de uma mulher consegue gerar uma pessoa! Raios me partam... uma pessoa viva! Se correr tudo bem, sai com braçinhos, perninhas, um coração a bater, um sistema digestivo, um sistema respiratório, orgãos complicadissimos, células sofisticadas, um sistema nervoso, e... pasmem-se... um cérebro de potencial infinito. Uma pessoa que poderá pensar, aprender, memorizar e processar informação, poderá inclusive criar! Mas mais que isso... poderá acima de tudo sentir... esse paradoxo científico inimitável e incompreensível.
Isto gera-se, em potencial, dentro do útero de uma mulher, por um processo mágico de divisão celular, fruto de uma fecundação, e de uma adopção amigável por um corpo estranho. Fascina-me imaginar por que processos se lê a informação genética dos pais e se imprimem essas características no novo ser. Como por magia se começa a desenhar uma forma. Como essa forma se vai clarificando e se começa a mexer. Como enquanto tudo isso acontece a Mãe passa por uma transformação fisiológica radical... como o seu corpo interpreta os sinais da gravidez, como isso a faz sofrer e gozar, como fica instável e baralhada com o que lhe acontece e não controla nem pode controlar. É bonito. Sinto-me pequenino por estar tão longe e por ter um papel tão pequenino na gravidez do meu bebé. Por mais que leia, por mais que lhe toque, por mais que queira ajudar.
Reconheço a divindade numa gestação... é demasiado perfeito para ser casual. Demasiado... Muitas vezes me senti sozinho nesta conclusão... não é fácil entusiasmar alguem que nunca tenha pensado sequer como apareçe uma criança no mundo, e portanto para alguns isso é uma coisa natural... um dado adquirido. É fácil inclusive... e no entanto é esmagadora a ignorancia por detrás de um pensamento assim. Quanto mais estudo mais frustrado me sinto por não conseguir perceber quão fundo vai a magia, quão minucioso e espantosamente grande é o processo.
Entretanto deixei de me incomodar muito com o que me preocupa mas não preocupa o meu vizinho... não conseguiria muito provavelmente viver com as suas preocupações. Chateia-me, isso sim, a ignorância explodida... que me salpica inevitavelmente e me fica a perturbar por muitos e penosos momentos - a grávida que bebe... a grávida que fuma... a grávida que se desleixa.
A ignorancia explodida só se aplica às mulheres que foram devidamente avisadas. As outras têm tanta culpa como o touro que não evita investir no vazio. Agora as que estudam!?... que são escrupolosamente advertidas pelo médico ou pelos amigos... é muita burriçe... é muito egoismo! Mas disperso-me...
A Natureza é uma coisa muito linda... devemos respeitá-la e admirá-la. A ciencia permite-nos ajudá-la, e a estupidez permite-nos destrui-la. Haja bom senso.

2003-11-21

Levanta-te e anda

Deito-me tarde para acabar uns assuntos. Descanso-me com a perspectiva romantica de que "amanhã posso acordar mais tarde". Chega o sol... sinto muito sono... mas espera... sim... eu tenho a nítida lembrança de ter visto o meu ADN (e o da mãe... e que ADN meus senhores...!) em franca pulsação. Sorrio de satisfação. Perco o sono. Pondero se devo ou não ficar na cama. Não fico... há demasiadas razões para me levantar. Na cama não aprendo nada para lhe ensinar. Na cama não posso produzir o seu sustento. Levanto-me com a satisfação de há muito tempo não me sentir tão motivado. A minha vida é interessante e estimulante... mas agora... perdeu o termo! Não há nada melhor... Não padeço de qualquer medo esquizofrénico de viver para sempre. Quem se assusta com isso certamente não sabe viver bem.

O Coração do meu Bebé

Comovente e inspirador… ver como bate o coração de um filho nosso na barriguinha da mulher que amamos. Ouvi-lo então é arrasador! Mesmo que interpretado por uma máquina estranha. Como é rápido, como é forte, como já se vê o sangue a circular, e se notam os contornos do seu corpo e cabeça… Tem poucas horas esta revelação, e queria guardar esta memória no tempo. O medo de me trair trás-me directo para este teclado. Tenho tido a vontade e os motivos para começar a escrever há já algum tempo, mas a preguiça tem vencido. A preguiça e as falsas urgências da minha vida. Não há nada mais urgente que sentir a paternidade neste momento. Não quero sequer reconhecer que isto é um momento apesar do lirismo implícito. Dê por onde der nunca mais deixarei de ser pai, nem que seja só do embrião que se mostrou hoje tão claro. Não vejo nada que consiga ultrapassar esta alegria. Exagero? Não… na próxima ecografia ficarei igualmente feliz. No nascimento também. Quando me chamar de papá idem. Quando me der um neto… E quando se deu a conhecer no Predictor pois claro! Dia 5 de Novembro… impossível esquecer… o estrondo de contentamento… o peso da responsabilidade! Vou ter um bebé… vou guardar aqui o que puder ser escrito. Não sou um poeta… estou limitado. Um poeta tambem está. O coraçãozinho do meu bebé está a bater…