2004-01-29

Gorjeta

Bem... quem leia o post dos 10 cêntimos e passe directo para este vai achar que eu sou um tipo que não gosta muito de ir ao restaurante ou que tenho uma fixação qualquer com as normas instituidas... e pensa muito bem! Para quê enganar-me?
Não gosto de dar gorjetas. Será com certeza resultado da minha profunda avareza mas gosto de me justificar com um pensamento pseudo-moralista libertador: gratificar uma pessoa diminui! Diminui! Diminui a própria pessoa, diminui o gratificador e diminui o serviço. "-Toma lá 100 escudinhos porque foste simpático. Sou eu que dou... para veres como sou generoso e sei recompensar. O feijão também estava bom (pareceu-me um bocadinho caro, e dispensava os ossinhos escondidos) e já o paguei... mas vai mais esta moedinha por fora para ficares a gostar de mim. Ou para não achares que sou um teso."
Não gosto. Desvirtua o princípio da coisa. Desvaloriza a troca inicial (e que é o sumo da relação entre os agentes). Do lado de quem compra deve haver a preocupação de pagar um preço que seja adequado ao benefício que se vai gozar. Se não gosta, reclama e não volta lá. Se gosta, segue o seu caminho. Se gosta muito pode sempre voltar para repetir a experiência.
Do lado de quem vende a preocupação deve ser oferecer o produto/serviço que justifique o preço em termos de valor percebido para o cliente. Já deve ter decidido quanto quer lucrar com a venda - se acha que merece mais aumenta o preço! Se realmente merecer, alguem ha-de pagar. Se não merecer não é com gorjetas que lá vamos.
A moedinha é uma coisa triste e redutora. _Dar_ dinheiro é um disparate económico. É uma desvalorização do nosso trabalho. E aceitá-lo _dado_ é outro disparate. Acho humilhante mesmo!
Aqui há ums tempos um dos meus alunos trouxe um pagamento adicional às lições que eu tinha dado. Estava agradecido por ter tido sucesso e quis premiar-me. A intenção era boa. Obviamente não aceitei - "Para aceitar esse dinheiro tinha de te dar outra lição - não faz sentido uma vez que estás aprovado". Senti um espanto extra-terrestre. Um gajoque não aceita dinheiro deve ser tonto!
Não... não aceito dinheiro de estranhos da mesma forma que não ofereço lições de borla. Se oferecesse estava a dizer que o meu trabalho não vale nada. _Dar_ dinheiro quer precisamente dizer que esse dinheiro não vale de nada para nós.
No processo minimizamos o próximo.
O meu Pai contava-me que tinha um amigo que costumava andar enrascadissimo de dinheiro mas não se coibia de deixar expressivas gorjetas por onde passava. Esse amigo não era melhor pessoa por isso, pelo contrário... frequentemente pedia dinheiro emprestado com o argumento de que as filhas estariam com fome. Esse tipo sim merecia uma gorjeta... uma esmola. Pessoas que trabalham e se levam a sério não precisam de esmolas.

2004-01-26

Dramático

Morreu Miklos Fehér. Sinto tristeza quando recordo as imagens da sua queda. Não haverá atleta que não se sinta tocado com uma imagem daquelas.
Aqui há uns tempos escrevi um bocadinho sobre a dor e como ultrapassá-la. Isso relaciona-se directamente com a minha tristeza neste momento. Um jovem saudável, que treina diariamente, escolhido pela sua capacidade de esforço e habilidade física, habituado a dar o seu máximo e a pensar que se calhar para a próxima ainda pode dar mais um bocadinho... de repente - Morre! E morre precisamente com uma disfunção de um dos seus orgãos mais requisitados e treinados. Afinal não era invencível. Afinal tambem o seu corpo pode falhar. Apesar de todos os cuidados...
Qualquer atleta dedicado recordará rapidamente as dezenas de vezes que estava a dar tanto tanto que pensou não ia aguentar. Medito sobre essa capacidade de resistir à dor face ao perigo de ultrapassar o limite.
Mas pior que tudo isso é uma vida jovem, com tudo para viver, com tudo para gozar... terminada. Uma vida de alguem com vontade de viver. E é nestes momentos que me revolto com a natureza... tanta gente sem vontade de viver, que gasta os seus dias precisamente a degradar-se, e quem morre é o nosso amigo mais alegre, o pai de 3 crianças novinhas ou a rapariga que vinha de casa dos avós. É algo que me ultrapassa.

2004-01-23

Restrição Orçamental

O Nuno dispõe de 18 horas diárias para os seus afazeres. Gasta cerca de 2 em alimentação (proteína e blogs), outras 2 ao telefone com a mãe do seu futuro filho, cerca de mais duas a olhar para o infinto, deixando as restantes 12 para trabalhar, estudar e postar. Num dia normal o Nuno dá 4 lições particulares, o que lhe deixa 8 horas para estudar e postar. Sabendo que o Nuno tem um exame amanhã, quantas horas recomenda que estude e quantas horas recomenda que poste? (Caso esteja a espera dos respectivos custos e função de utilidade... desengane-se! é um exercício de bom senso)
... O Nuno escolhe efectivamente estudar as 8 horas (7:30 depois desta gracinha), não deixando no entanto de importar qualidade blogueira de relevo para entreter o leitor assíduo.
Ora apreciem:

Do MATA-MOUROS:

Horrores do Neo-liberalismo
No Público de hoje sobre a corrupção em Angola:

(...) Já depois de, em 2002, a classificação da Transparency Internacional (organização anti-corrupção) ter colocado Angola entre os cinco países mais corruptos do mundo, em 2003, a Economist Intelligence Unit (EIU) levantou novas suspeições, segundo a HRW, ao publicar informação sobre as fortunas de Angola.
Nessa ocasião, a EIU fez saber que 20 personalidades tinham fortunas avaliadas em cerca de 100 milhões de dólares e outras 39 tinham riquezas no valor de 50 milhões de dólares. Além disso, referia que seis das sete pessoas mais ricas nessa lista estavam há muito tempo no Governo.
No total, a fortuna dessas 59 pessoas era de pelo menos 3,95 mil milhões de dólares. Em contraste, o Produto Interno Bruto (PIB) de Angola com cerca de 12 milhões de habitantes era aproximadamente 10,2 mil milhões de dólares. (...)


Ou seja, em menos de 0,0005% da população está concentrada quase 39% da riqueza produzida pelo País num ano. Não deve haver sítio no mundo em que tantos contribuam tanto para tão poucos...

Culpa do tenebroso sistema neo-liberal, obviamente...

E do maradona:

Explorem-me!

"Para além do Custódio como trinco do Sporting, das coisas mais me afligem é ver pessoas genuinamente boas mais preocupadas com a sua consciência do que com as consequências práticas decorrentes das suas especiais sensibilidades; isto porque, à custa do sono descansado de meia dúzia de bem pensantes e de três ou quatro almas absolvidas, quem se fode são uns bons milhões de indefesos.

A conversa comigo normalmente descamba quando a pessoa que se me opõe fala das fábricas que fogem 'daqui' para 'ali' apenas porque 'ali' os ordenados são mais baixos, causando desemprego 'aqui' e 'mais' miséria 'ali'. Essas pessoas deviam conhecer Chanda, 17:

".... one of hundreds of Cambodians who toil all day, every day, picking through the dump for plastic bags, metal cans and bits of food. The stench clogs the nostrils, and parts of the dump are burning, producing acrid smoke that blinds the eyes."

Que afirma:

"I'd like to work in a factory, but I don't have any ID card, and you need one to show that you're old enough,"

Pois é: há quem prefira que as multinacionais nascidas no leito farto do capitalismo neoliberal selvagem ocidental as explorem animalescamente! Mas deste lado do mundo, há quem não queira que elas sejam exploradas: que continuem a escarafunchar no lixo!"


--
Entretanto, hoje há greve da função pública. Não me quero alongar muito sobre o assunto, mas não será altura de as pessoas comecarem a perceber que é incomportável tributar riqueza ao país (e contrair dívida disparatada) para alimentar uma infinidade de serviços que não correspondem às expectativas de ninguem?
Facto: Portugal, oferecendo os mesmos serviços que oferece, mas com níveis de produtividade !medianos! precisaria apenas de 450 000 funcionários públicos (menos 250 000 que actualmente). Concedoque despedir esses funcionários públicos seria foco de grave tensão social, não em greves obviamente, mas em drama familiar e crime. Os erros vêm muito lá de trás... seja como for... não subir os salários é obrigatório!!! Fazia tão bem que as pessoas percebessem as implicações do seu contributo para a sociedade. Pessoas há... que não passam de lastro. E que se vão queixar para a rua de serem lastro mal pago!!! Por favor... um pouco de bom senso!

2004-01-22

Boas Notícias

O Presidente da República está afónico.

2004-01-21

Estado da Nação

Ficar à espera de "The Practice" tem as suas vantagens... sempre se lê um livrinho ou prepara uma aula.
E depois de ver a série o zapping reserva-nos sempre algumas surpresas. Ontem foi o discurso de Bush ao congresso. Gostei muito. É bom saber que alguem no mundo sabe o que anda a fazer. Com erros, claro, mas bem melhor que os estados europeus que "andamos" a tentar alcançar.
Não é das políticas que quero falar - agradou-me muito mais reparar como a ala Democrata não se envergonhava de aplaudir, mesmo de pé, muitos dos projectos anunciados pelo radical Republicado no governo. Algo impensável no nosso polido parlamento.
É verdade que logo a seguir ao discurso aparecem dois destacados Democratas expondo as suas ideias e explicando o seu ideal de governação, mas acho notável a capacidade de aplaudir o que acham bem feito.
Acho que prestigia a política e o esforço de cada um.
Bem sei que em Portugal os políticos são o refugo das faculdades e dos sindicatos... aqueles que não eram assim tão bons para fazer coisas grandes - ou excepcionalmente pessoas de valor que por obstinação tentam mudar as coisas por via da política. Respeito uns e outros e agradeco-lhes o esforço. Lamento que a política seja uma carreira (quando é) e que não se consigam atrair os melhores para os cargos onde há realmente poder para se fazer mudança. Imagino muitas vezes como seria o país governado por um empresário brilhante e competente - um que não se importasse de desenhar uma estratégia e a implementar, mesmo que provocando alguma dor temporária.
Só mesmo na minha imaginação é que isto pode acontecer. A democracia é muitas vezes incompetente para defender os interesses de todos, precisamente porque a ignorancia e o laxismo valem tanto como o conhecimento e a ambição.
Entretanto vou-me descansando a ver Democratas a aplaudir de pé o Presidente Bush. Quem sabe um dia não vou para os Estados Unidos e apanho socialistas a paludir sociais-democratas na RTPinternacional. But then again... maybe not!

The Practice

A TVI transmite a melhor série televisiva logo a seguir ao MacGyver pelo nome de "Causa Justa". Aventuras e desventuras de uma firma de advogados nos Estados Unidos. Os casos são impressionantes e exploram sem qualquer pudor as fraquezas e subtilezas do sistema judicial americano. A série inspira-me a vários níveis - o brilhantismo intelectual e abrangência de cada episódio, os meandros da justíça vista pelo bom e pelo mau, a elevada lição de como pensar e discutir o assunto mais básico ou o mais torcido... muito bom mesmo.
Prometi comecar a apontar as lições chave de cada episódio e discuti-las por aqui - coisa que farei a partir já da próxima semana.
Tenho pena que a TVI não tenha na sua equipa alguem com um cursinho de marketing, nem que fosse um daqueles curtinhos de 24 horas... o programa passa às 02:30 de terça para quarta feira, normalmente a seguir ao extinto big brother ou de um filme ranhoso série C. "The Practice" é uma série destinada ao segmento mais ...digamos... interessado. Pessoas em princípio activas e que têm de trabalhar no dia seguinte. A audiência deve ser mediocre e assim se desperdiça um bom veículo de venda aos segmentos A e B. Segmentos esses que só se voltam a rever na TVI domingo por alturas do comentário do Professor Marcelo. Faz-me pena.

2004-01-15

Socialismo

O Bruno posta uma bonita opinião sobre o socialismo (14/01/2004). Concordo em absoluto e acrescento acerca da desejabilidade de viver na ilha da Utopia (Ver Utopia, Thomas More) ou realidade semelhante - Não concebo viver em comunhão de trabalho, propósitos ou propriedade _com estranhos!_. Não teria qualquer estímulo para sevir o próximo. Não sentiria qualquer felicidade por ser um escravo. Não tiraria nenhum partido de qualquer valia que pudesse porventura possuir. Não aceito comparação entre um irmão e um vizinho. Não aceito carregar com erros que não me pertencem. Não vejo qualquer dignidade em onerar alguem com os meus erros.
Popper desmonta eficazmente os defeitos do historicismo mas mesmo assim não resito a uma pequena previsão: Se porventura algum dia um regime socialista se instalar, a elite próspera:
a) foge do país
b) resiste ao regime (e é censurada/amordaçada/assassinada)
c) está ligada ao poder
...restando o rebanho obediente para sustentar o disparate. Rebanhos obedientes não fazem, nem nunca farão coisas grandiosas.
Pera lá... mas eu não vi já isto em qualquer lado? naaa... aquilo ainda não era bem socialismo...

Enfim...

Hoje vamos (des)aprender um bocadinho sobre Gestão de Operações. Queremos resolver um problema de trânsito.
Perguntamos a um Inglês:
-Inglês! Olha... se tu fores num carro de A para B, e a tua via estiver livre, e tu fores a 60 km por hora e tiveres um percurso de 10 km para fazer quanto tempo demoras?
-Exactly 10 minutes

Perguntamos agora a um Português:
-Português! Olha... se tu fores num carro de A para B, e a tua via estiver livre, e tu fores a 60 km por hora e tiveres um percurso de 10 km para fazer quanto tempo demoras?
-Bom... isso é uma pergunta difícil, teriamos de entrar em conta com vários factores. Quer numa rua de uma cidade, numa via-rápida, numa auto-estrada?
- Pode ser ali na Norte-Sul, na zona das 3 faixas de rodagem. Relembro, a sua via está livre.
-Então é fácil! Se houver um acidente na outra via, terei de esperar pela minha vez para poder ver e isso poderá atrasar um bocadinho, se não houver acidente aproveito para ligar para alguem, se ninguem atender então é que sigo o meu caminho e em 10 minutos, mais coisa menos coisa devo chegar ao destino.

Pois claro! Isto não estava no Heizer&Render... Mas explica-se com um chavão de Estratégia: Ambiguidade Causal!
Quando duas fábricas iguais, produzindo o mesmo produto nas mesma condições, têm um output diferente e ninguem sabe porquê... isso chama-se ambiguidade causal. A moral da estória é que a fábrica que tem o melhor output deve-se deixar estar sossegada - mesmo não sabendo o que é não deixa de ter uma vantagem competitiva.

Ora eu não encontro outra explicação para os nossos processos parecerem tão mais complexos que os dos nossos concorrentes, que só por mero acaso fazem mais e melhor, com menos que nós.
Não será com certeza uma questão de civismo - há labregos em todo o lado! Nem uma deseconomia de escala - pois isso só jogaria a nosso favor! Muito menos pode ser uma questão de aptidão técnica - afinal nós temos os melhores condutores. Também não me parece que as vidas dos portugueses sejam tão desinteressantes que se preenchem com a desgraça do vizinho.
Não consigo ironizar. É tudo isto e é muito mais! É a mais básica ausência de auto-estima e coerência! Quantas e quantas pessoas não vêm desde lá atrás berrando com os atados lá à frente que não conseguem contornar um acidentezito? E na altura de passarem... ja agora gastam-se 30 segundos para ver bem o que aconteceu, rodando nas suas cabeças um filme exacto dos acontecimentos, calculando com exactidão os estragos causados.
É que note-se... muitas vezes não há qualquer estrangulamento físico - a estrada está livre e os carros aceleram poderosamente logo que a vista fica impedida!
Xiça...

Bom... tinha prometido uma lição de GO e aqui vai: um processo demorará tanto mais quanto mais morosos forem os seus passos limitantes. Qualquer tentativa de optimização terá de passar obrigatoriamente pela melhoria destes passos ou pelo redesenhar de um novo caminho crítico.
Tudo se resolve com um bocadinho de pragmatismo e civismo: Estes 30 segundos terão realmente algum efeito negativo no processo? Caro curioso... sim! Os 30 segundos que o senhor perde tentando enriquecer a sua conversa de jantar, têm um custo de umas dezenas de horas-homem. Convirá que mesmo com os salários magrinhos dos protugueses estamos a falar de uma pequena fortuna. Fortuna essa multiplicada por tantos quantos gastarem os mesmos trinta segundos que o senhor gastou. Alem disso... não será melhor ver os acidentes na televisão, aprofundando assim a sua cultura sem atrapalhar ninguem?
Faça lá esse favorzinho.

"...são só mais 10 cêntimos a cada um!" IV

Stauss é um autor fundamental para entender a postura liberal. Em “Three waves of modernity” critica os relativistas e justifica a erosão dos valores do Direito Natural Clássico. Em “What is liberal education” invoca a necessidade de se regressar aos grandes clássicos como fonte de educação. Com efeito, e cito João Pereira Coutinho: “Quando comparamos a nossa ridícula existência com as existências literárias que fomos acumulando na estante, tudo se torna incomparavelmente mais insignificante. Mais triste. Mais inútil. Porque a grande literatura não nos torna maiores. Torna-nos menores. E torna tudo mais pequeno. Podemos amar a donzela da praxe com devoção e zelo.[…] Mas, honestamente, algum dia amaremos alguém como Dante amou Beatrice? Como o Quixote amou Dulcineia? Como Bendrix amou Sarah sob um céu carregado de demência e morte? […] Como se os Clássicos existissem para impedir qualquer originalidade. E existem mesmo. Podemos arquitectar a mais bela história do mundo. Mas já está tudo em Ésquilo, Sófocles, Eurípedes. Aventuras? Homero, Virgílio, Camões. Amor? Chaucer, Dante, Keats. Vingança e tragédia? É favor chamar o sr. William Shakespeare à recepção.”, está tudo escrito! E existem poderosas fontes de inspiração exorcizadoras de qualquer relativismo ou positivismo moral. Mais uma vez, o reconhecimento de que o génio não está igualmente distribuído, e que no limite não se pode escravizar um homem que é um ser eminentemente livre de pensar e perseguir os seus objectivos, respeitando uma ordem natural.

Por fim, a posição original de Rawls e a Entitlement Theory of Justice de Nozik.
Rawls constrói um modelo peculiar como teoria de justiça numa sociedade bem ordenada. As premissas para o seu véu de ignorância: não conhecimento das nossas aptidões naturais, não conhecimento da nossa posição social e a não existência de concepções particulares do bem, não colhem. E ainda que colhessem, os princípios de justiça na distribuição não são pacíficos. Na teoria de Rawls não há nada intrinsecamente meritório, no entanto Rawls prevê diferenças na alocação final dos bens. Trata-se de um jogo onde se minimiza o risco, mas ainda assim um jogo. O jogo rege-se pela lei da sorte e do azar. A lógica matemática de minimizar o risco é especulativa, e portanto, ainda menos meritória que a lotaria genética e afins. Rawls não reconhece o meu direito incondicional aos 10 cêntimos do ovo, nem aos 10 cêntimos que eu pouparia por ter menos apetite, ou os 10 cêntimos que eu ganharia por trabalhar mais uma hora.
Nozik pensa diferente. Explica-o com a ajuda de Wilt Chamberlain – o jogador de Basket, que por inspirar multidões, acaba por jogar no seu tempo livre para que mais fãs o possam ver. Wilt joga apenas pela sua boa vontade mas existe uma caixa de donativos onde os fãs poderão gratificar simbolicamente o jogador. A caixa enche e Wilt fica zilionário. Será isto justo? Mais uma vez, se aceitarmos que as gratificações eram propriedade dos fãs, e que estes tinham liberdade de dispor delas – sim, é justo. Injusto seria retirar o dinheiro a Wilt, subvertendo a vontade de quem tinha o dinheiro e o quis dar livremente.
Nozik completa a teoria: havendo justiça na aquisição e transferência, e uma compensação sempre que isso não aconteça, estamos perante uma posse justa. Também Nozik acreditava num estado mínimo em mais uma aproximação a Hayek.

Em jeito de conclusão resta consolidar os pontos de vista. A saber: uma sociedade deve ser o produto da livre interacção entre os cidadãos limitada pela lei. O mercado é uma emergência dessa interacção. A ele se recorre para trocar trabalho ou poupança por bem estar. Algumas pessoas sentem pudor em descentralizar a sua responsabilidade pessoal e familiar ao estado. Preferem receber deste uma segurança eficaz (no sentido de administração interna: bombeiros, polícia, militares), uma política externa bem gerida, e um sistema de justiça que proteja as liberdades, propriedade e vida de cada um. O estado deve também assegurar uma rede de protecção abaixo da qual nenhum cidadão poderá descer. Esta rede de protecção seria eficaz sempre que a família ou as reservas de um indivíduo falhassem – em último caso portanto. O individuo teria interesse em libertar-se dessa ajuda logo que possível, aceitando o princípio de que haverá necessidades a suprir e que ele pode aproveitar essa oportunidade. Em troca verá as suas necessidades satisfeitas. Existe um estímulo para acrescentar à sociedade algo de útil e de valor para o máximo de pessoas. Depois para as fatias intermédias, e finalmente para os nichos. Haverá sempre algo para fazer, e alguém disposto a pagar por esse algo. A entrada do estado no jogo descriminando positiva ou negativamente um sector, desincentiva os sectores favorecidos e canibaliza os complementares arrepiando as vontades de milhares de agentes que deveriam ser livres de escolher o que deve resistir e o que deve caducar.

Uma sugestão que acabará por se gastar com o tempo: convidem-se empresários de sucesso, profissionais de destaque e elites intelectuais para ensinar nas escolas. Ensine-se a iniciativa e a pró-actividade. Libertem-se os fundos cativos em actividades que não são da competência do estado por meio de uma baixa radical dos impostos. Elimine-se a burocracia e quebras de competitividade no mercado da habitação e arrendamento.
Seriam tantos e tantos 10 cêntimos aplicados livremente. Seriam tantos e tantos agentes em franca ascensão social. E o que se eleva converge… Mas acima de tudo haveria o livre gozo do produto do trabalho de cada um. Quem mais terá mérito para o gozar?

2004-01-14

"...são só mais 10 cêntimos a cada um!" III

Popper faz também uma interessantíssima crítica ao relativismo que é sem dúvida um obstáculo de peso a uma sociedade aberta. Será assim tão difícil chegar a um consenso sobre o bem e o mal? Admito a dificuldade de nos libertarmos do preconceito e da moral que nos serviram no biberão, mas interessa-nos assim tanto essa abstracção e poder de encaixe? O bem e o mal derivam da propriedade humana de sentir, de pensar, de prever. “Matar é errado porque estou a privar uma pessoa do direito de gozar a sua vida, estou a privar a sua família da sua companhia, estou a provocar sofrimento. Consigo perceber esse sofrimento e que devo reciprocidade de tratamento para com o próximo”. Esta matriz de pensamento serve para uma infinidade de relações pessoais, diversas da imposição da morte. O resto… o mercado responde! Não é excesso de fé acreditar que um mau empregador perderá os seus colaboradores para um bom empregador. Que um monopolista com grandes lucros seja afrontado por imediata concorrência. Que um conjunto de pessoas se possam juntar numa cooperativa para fazer uma estrada para um sítio remoto, e a explorem, seja directamente seja por uma oferta genuína paralela que justifique a sua rentabilização. No limite, não acredito que fique algo _necessário_ por fazer se isso estiver dependente da iniciativa privada. Com a vantagem de ser julgado pelo mercado, com incentivos múltiplos a ser racional e a vender qualidade. A própria ciência e o mercado do conhecimento provaram ser domínio de privados que se especializaram!

A disposição conservadora de Oakeshott tem também um conjunto de revelações que iluminam a natureza do indivíduo e da sociedade. A assunção da falibilidade e imperfeição do homem é exemplo disso. Isso contraria directamente a possibilidade de encontrar um homem built-to-fit numa organização pura. Seja como for, é muito discutível que o hipotético homem perfeito quisesse ou servisse os propósitos de uma organização. Oakeshott faz também uma crítica ao racionalismo na política, baseado na evidência de não haver uma solução perfeita para um problema político. Com efeito, as circunstâncias também definem o problema, e estas mudam. A presunção de poder ‘tudo prever’ e ‘tudo racionalizar’ ou organizar é mais um objectivo longínquo dos defensores da planificação e da organização. A disposição conservadora seria baseada numa postura reservada quanto à mudança, de usufruto do presente e cautela quanto ao futuro e ao risco de se perderem conquistas consolidadas. “Não reparar o que não está avariado”. Esta posição pode parecer rígida e estática mas cuido que pode ser entendida de uma forma um pouco mais lata – Podemos fazer reparos marginais em avarias marginais e ainda assim respeitar uma postura conservadora. O risco de perda é assim reduzido e mais compatível com perfis de risco mais conservadores. Finalmente as actividades preferidas de um conservador: pescar e conviver com os amigos – meritórias pela propriedade de serem interessantes ainda que autónomas de outros interesses. O facto de não custarem um único cêntimo a um estranho na outra ponta do país também não é despiciendo.

2004-01-13

"...são só mais 10 cêntimos a cada um!" II

Mas entre o liberalismo de Hayek e o comunismo de Marx não poderá estar a virtude? É precisamente o caso que vivemos nas democracias ocidentais. Existe mercado. Existe a ‘quase’-livre troca de trabalho e capital. Existe a propriedade privada (tirando o que é coercivamente tributado). Existe um estado com funções de proteger a segurança e a justiça na comunidade… Por outro lado também existe redistribuição e intervenção directa e indirecta no mercado. Existe intervenção no fornecimento de interesses básicos como a saúde e a educação. O estado segura o rendimento dos desempregados e dos aposentados. O estado é responsável pelo desenho e manutenção das obras públicas. O estado é regulador de licenças várias, de monopólios institucionais e da concorrência. O estado toma como sua a responsabilidade do planeamento da agricultura, das pescas e da cultura. O estado toma como sua a responsabilidade do avanço científico entre outros… Por cada uma destas responsabilidades sussurra-nos “…são só mais 10 cêntimos a cada um!”. Implicitamente existe a convicção de que o colectivo vai usufruir de um efeito multiplicador na economia (Keynes). De que se vão suprir lacunas que o mercado nunca resolveria. Os exemplos são vários: a Expo 98 e a indústria militar Americana servem o multiplicador; as estradas e os hospitais servem para as lacunas. A discussão económica podia levar-nos muito longe mas podemos atalhar com alguns contra-exemplos: Henry Ford e a indústria automóvel como exemplo de um multiplicador de iniciativa privada; os hospitais privados, as auto-estradas e a Aspirina como supressores de necessidades gerais de iniciativa privada também. Não existe qualquer razão para crer que os investimentos do estado geram melhores frutos que os investimentos dos privados, ou que produzam mais e melhores externalidades positivas – pelo contrário, produzem isso sim, mais externalidades negativas. São exemplo disso a imposição de um castigo aos mercados e particulares prósperos, e a perda social derivada da tributação sobre o consumo. Essa perda é evidente porquanto impede um produtor de vender o seu bem ou serviço a um preço menor, e o consumidor a comprar tanto quanto gostaria. Depois há toda a pedagogia associada – o desincentivo ao produtivo de ser produtivo, e o desincentivo ao improdutivo a ser produtivo! Existe uma parte da sociedade que acaba por ser a locomotiva de todo o sistema, que assume todos os riscos e encargos. Seja pelo longo e laborioso processo de tentativa e erro de identificar necessidades e fornecê-las de uma forma apelativa, seja pela forma como vê esse esforço ser canibalizado pela própria sociedade para alimentar os vagões da retaguarda.
Todo o processo é redutor também pela dimensão e multiplicidade de áreas de intervenção do estado. Onde o estado está, em regra um particular não pode oferecer uma alternativa. Alternativa essa que seria escrupulosa e impiedosamente escrutinada pelo mercado – coisa que só muito marginalmente se pode fazer ao ser o estado a fornecer o serviço. Até porque este primeiro cobra o serviço – haja ou não necessidade dele – e só depois o presta com a qualidade de quem tem muito pouco a provar salvo pontuais excepções.

Existe nobreza no propósito de assegurar que todos tenham direito à saúde, à protecção contra a fome e o frio, e ao prevalecimento da sua própria dignidade – mas isso consegue-se com a safety net invocada por Hayek. Essa segurança é fundamental e implica alguma tributação, mas seria muito raras vezes recorrida se não passasse disso – até porque não é do interesse de ninguém viver satisfazendo apenas a fome, a saúde e o conforto físico. Por outro lado, isto define um nível de prestação de cuidados mínimos, não devia caber ao estado mais que isto. Existe uma barreira de protecção contra o falhanço muito mais poderosa e próxima que é a família. Havendo um mínimo de moral familiar e sentido de self-preservation, é do interesse da família zelar pelos seus – é afinal, da sua perpetuidade que se trata. Este é um instinto difundido por todas as espécies vivas conhecidas, da bactéria à sequóia, passando por toda a vida animal e vegetal. A lei da natureza exerce uma influência superior que define o nosso bem-estar e sobrevivência. A regra é essa. A ordem espontânea de Hayek e a sociedade aberta de Popper contemplam essa realidade. Existem excepções à regra. Mas não será um disparate desenhar um sistema em função do que corre mal?

2004-01-12

"...são só mais 10 cêntimos a cada um!" Parte I

Um grupo indiferenciado de amigos vai jantar fora. Escolhido o restaurante, a mesa e as cadeiras, sentam-se ordeiramente. Passados uns segundos são municiados com o menu e uma colecção de entradas. Aceitam também o convite de encomendar as bebidas. Passados uns minutos escolhem os pratos sem restrições. Por esta altura, dos 10 amigos iniciais, 8 provaram as entradas, 6 pediram vinho, 2 pediram um refrigerante e os outros 2 água. Os pratos dividiram-se numa de duas categorias: barato e caro. Foram pedidos 5 pratos baratos e 5 pratos caros. A refeição começa e a dado momento, um dos amigos decide pedir um ovo estrelado para acompanhar o seu prato. Percebendo o desconforto criado na mesa objecta: “São só mais 10 cêntimos a cada um!...”
Convém explicar antes de mais que é costumeiro entre amigos dividir-se igualmente entre todos a despesa final de um jantar. Um hábito que se terá generalizado provavelmente por comodidade – para que não se peçam tantas contas quantas as pessoas, e para que não se tenham de pesar os consumos individuais das entradas e das bebidas comuns. Acredito que entre amigos não faça confusão equilibrar os consumos à média, uma vez que a ocasião é mais que uma simples refeição, é um momento que oferece a oportunidade de se conviver enquanto se goza uma refeição.

O exemplo pretende explorar até que ponto uma filosofia liberal se torna justa numa comunidade de iguais para iguais. Invocar-se-ão autores numa pequena viagem pelo programa da disciplina de Ciência Política deste semestre académico.
Antes de mais, porque é que o jantar de amigos se pode comparar a uma comunidade? Bom… é um conjunto de pessoas com interesses individuais que pontualmente se interessam num bem comum. Os interesses individuais são os benefícios da troca em mercado livre, de dinheiro (que deriva directamente do trabalho, de rendimentos ou de uma herança – propriedade de cada um portanto) por bem estar. Por bem estar, entendo a variedade de ofertas que o restaurante tinha à disposição, dos consumíveis ao usufruto do espaço. Por interesse colectivo entendo o benefício que cada um vai retirar da companhia (e convívio) dos seus amigos e respectiva envolvência social. Estas definições são uma simplificação da extensão de benefícios percebidos e respectivas utilidades, e dos próprios interesses, mas servem o propósito do exemplo.
Os benefícios mencionados implicam custos. Vou entender custos num sentido muito estrito – o que se paga em unidades monetárias para atingir o benefício. Abandono portanto o custo de oportunidade de um determinado amigo não poder estar naquele momento no cinema ou a ler um livro. O jantar era a actividade da qual eles extraíram a maior utilidade para o seu tempo naquele dia.

Posso agora começar a análise do episódio em si. Começo com um passo um bocadinho arriscado: Será legítimo explorar a indignação de um ou mais amigos com o abuso de um terceiro, tendo em conta que todos conheciam as regras antes do jantar começar? Afinal, não se combinaram restrições específicas às entradas, bebidas ou jantar de cada um – faz sentido que alguém se queixe por causa de um ovo? Eu penso que sim. Se o ovo parece ridículo, podemos facilmente substitui-lo por qualquer outra extravagância: um digestivo caro, uma sobremesa mais pesada (ou mais do que uma), um copo de Champanhe… Aceito portanto que existe um limite a partir do qual alguém que contribui para o interesse colectivo se possa indignar com um gasto marginal, mesmo que custe “só mais 10 cêntimos a cada um”, e por conseguinte, a si mesmo. Vou também desprezar o factor amizade neste exemplo concreto, até porque me parece pacífico que isto aconteceria em qualquer grupo de amigos com recursos limitados para despender, por mais amigos que fossem, e por melhor vontade que tivessem. Outro factor que desprezo é a inépcia causada por orgulho – “Não mostrar indignação por pudor, por sentir que cria uma cisão pouco amigável, por vergonha de parecer egoísta ou avarento.” Se neste grupo em particular todos padecessem desta inércia, com certeza que no grupo ao lado haveria pelo menos um amigo que a venceria. Também isto é passível de uma análise custo-benefício, mas divirjo.

Será então razoável numa comunidade de interesses colectivos e individuais, cobrar ao colectivo para satisfazer uma necessidade/benefício individual? Por regra parece-me evidente que não – Se valorizarmos o princípio de podermos dispor da nossa propriedade, e escolher livremente o que é do nosso interesse. Talvez fosse interessante voltar ao conceito de comunidade de iguais para iguais. O que é isso afinal? Gostava que se entendesse como um conjunto de indivíduos iguais em direitos e faculdade de escolher e providenciar pelo seu interesse.
É uma posição liberal. Assente num “estado” mínimo que assegure segurança e justiça, entendida pelo destilar das interacções entre pessoas no passado. A ordem espontânea de Hayek. Qualquer coisa nos antípodas do totalitarismo da República de Platão, a Ilha da Utopia de Thomas Moore, ou o Comunismo de Marx. Para estes, uma comunidade deve funcionar como um colectivo, onde a propriedade individual é desprezada. Nestes regimes, imagina-se uma sociedade organizada como o paladino da perfeição social, o nirvana na terra. A iniciativa privada é substituída pelo objectivo da organização, que pacificamente dispõe dos seus cidadãos trabalhando nos postos definidos. É na verdade um pouco mais complexo, mas pretende-se que haja igualdade nas liberdades, entendida de uma forma positiva (Isaiah Berlin distinguia liberdade positiva de liberdade negativa, sendo a primeira ‘liberdade para’ e a segunda ‘liberdade de’ fazer algo. Ter liberdade positiva implica a existência de meios que permitam determinado acto. Ter liberdade negativa implica apenas que o acto não é proibido por lei). Ora, essa liberdade, se por um lado pode parecer generosa, por outro é absolutamente castradora por um motivo intuitivo em qualquer economia – Os recursos são limitados. Sendo impossível permitir a todos ‘liberdade para’ proíbe-se a todos ‘liberdade de’.

Serviços mínimos

O tempo escasseia. Os últimos dias têm sido de intensa actividade. Ou pelo menos parece... mas eu sou um bocadinho preguiçoso.
Nos próximos dias não se avizinha alívio e portanto vou postar em pequenas parcelas um ensaio que escrevi recentemente. Sempre entretem qualquer coisa.

2004-01-09

Gasolina

Anda a passear de mail em mail um texto novo com este título. Escrito em português, apela a que se faça um boicote às 3 marcas de produção e distribuição de combustível: BP, Esso e Shell. Companhias essas que dizem ser americanas... o primeiro disparate! A BP é inglesa (British Petroleum) e a Shell é Holandesa. Mas adiante. Diz o texto que se devem castigar estas grandes companhias uma vez que são elas que "impõem" o preço da gasolina e não a OPEP. Segundo disparate - a OPEP é um cartel de produtores que regula a produção de petroleo. Por meio desse controlo têm influência no preço do barril _que é em última análise uma emergência do mercado_! Ou seja, o cartel tenta aproveitar uma posição dominante para maximizar o seu lucro. Isto é um assunto pacífico, mas felizmente que existem outros produtores de petróleo que produzem as quantidades que lhes dá na gana, e os próprios associados da OPEP algumas vezes violam o acordo. O preço do barril encontra-se pontualmente quando alguém está disposto a pagar a mesma quantidade de moeda que um produtor está disposto a receber. Ninguém é obrigado a nada. Mas não é este o assunto determinante - o importante é reter que a OPEP a influenciar, influencia o preço do barril de petróleo, não o da gasolina directamente. Aceitem o meu purismo.
De seguida falam no dito boicote: se deixarmos de comprar gasolina a estes 3 distribuidores, eles serão obrigados a baixar o preço. Este é o real disparate! Antes de mais um esclarecimento: Shell, BP e ESSO não têm em conjunto, a quota da Galp na venda de gasolina em Portugal. A sua presença em Portugal é apenas marginal para as suas contabilidades - estão aqui por uma questão de imagem! O negócio de venda de combustíveis em particular não é o mais interessante - tanto que se fosse podiam facilmente esmagar a Galp e assumir posições dominantes. O nosso mercado é francamente pequeno para se preocuparem com isso. Seja como for, estão presentes, e assumem o seu papel. Convirá que se saiba que o combustível que vendem é refinado pela própria Galp. São portanto meros distribuidores e exploram com base numa margem pequena (cerca de 15$00, moeda antiga, por litro). Margem essa que em muitos casos perdem para os seus grandes clientes e que, espantem-se, reflectem mais de metade das suas vendas anuais! Explicando... menos de metade do combustível vendido é comprado pelo cliente individual... trocos! Um negócio mais interessante para estas marcas (e também para a Repsol e para a Galp) são os chamados negócios non-fuel, nomeadamente as lojas de conveniência e os serviços nas bombas. Este sim produzem uma margem decente. Mas adiante mais uma vez.
Estes distribuidores nos seus mercados de eleição, vendem o combustível infinitamente mais barato que o combustível que vendem em Portugal, não precisam de qualquer estímulo para que baixem os preços, nem nunca os baixariam por pressão do cliente. Poderiam fazê-lo por pressão de uma concorrencia mais competitiva.
O problema dos nossos preços é obviamente o Imposto sobre Petrolíferos, e portanto desengane-se quem pensar que vai ver uma baixa enquanto o ISP não baixar ou desaparecer. Veremos com certeza algumas baixas em lisboa, que serão compensadas com aumentos nas auto-estradas ou em bombas mais remotas, e é evidente que isso é mais justo - força a competição! Onde há muitas bombasos preços baixam, onde não há sobem. Se alguém achar que consegue vender mais barato numa zona remota, está no seu direito de ir afrontar a bomba que lá esteja e esperar um lucro... existe libertade e estímulo para que assim seja.
Pessoalmente, e apesar de ser alérgico a impostos, tenho de admitir que o ISP tem uma externaliade positiva que é o facto de controlar o número de carros a circular. Quanto mais alto for o preço da gasolina (que é um bem complementar ao automóvel), menos procura haverá tanto de carros como de gasolina - isso é positivo para o ambiente e para a racionalidade nas estradas.
Por outro lado, o português médio é tão pouco sagaz, que põe a posse de um carro à frente da educação dos filhos (e da sua própria educação e cultura), da poupança, do investimento, da segurança. Portanto, mesmo com um preço do combustível elevadíssimo (e artificialmente elevado), continua a pôr toda a sua alegria num carro, e perde-se algum do efeito do desincentivo à procura de combustível e sua subsequente queima. Ainda assim, haverá algum efeito, porque há sempre gente racional, e há gente que tem mesmo tão pouco que não se pode dar a esses luxos. Luxo esse que por sua vez é cada vez mais paradoxal... não vejo beleza nenhuma em pasar horas enfiado no transito partilhando estradas miseráveis com autênticos selvagens... mas isto sou eu! Se calhar é por isso que eu ando de mota. E que vou continuar a abastecer na Shell...

João Carlos Espada

Tenho passado os últimos dias em laboriosa pesquisa na net sobre este Professor. Profícuo autor de vários livros, brilhante colunista, iluminado pensador da sociedade. Da pesquisa colhi alguns frutos. Existem umas dezenas de sites com referência ao nome, muitos publicam textos seus ou apresentações, outros citam-no para fazerem um ponto, outros ainda citam-no para o criticarem ou para usarem o seu nome como definição de uma determinada ideologia. João Carlos Espada foi meu Professor de Ciência Política. O débito de autores e novas realidades despertou em mim um interesse genuíno sobre um conjunto de matérias que julgava conhecer... mas que não conhecia. Aliás, muito pouca gente conhece! Depois de ler sobre o assunto, e já lá vão alguns livros, torna-se evidente que o esclarecimento colectivo é mesquinho, mesmo nas camadas mais cultas da sociedade. É claro que ninguem pode saber sobre tudo, isso é uma utopia e um disparate, mas toda a gente se permite emitir opiniões sobre política, dogma ou justiça social sem dominar sequer um dos conceitos necessários. Não se trata sequer da legitimidade de ter uma opinião! Quando discutimos política opinamos sobre a forma como se deve viver em sociedade, que tipo de poder o estado deve ter, de que forma se pode impor ordem às pessoas que habitam um país...
Espada é um liberal. Um liberal com simpatia pela esquerda. É um conceito fosco que preciso aprofundar. Não me consigo identificar com qualquer tipo de esquerda e no entanto concordo com tudo o que produziu (e que eu li). É curioso o ódio que se gerou à volta das suas crónicas e opiniões. Um notável estudioso, possuidor de uma inteligência genial e uma cultura superior, torna cada opinião _quase_ evidente. É curioso mas não é inesperado. Espada escreve com confiança, com vaidade, com certeza... esse tipo de escrita ofende o outro lado da barricada - os não liberais... os que nos querem impor o relativismo moral, a força de uma matriz desenhada para servir um propósito absurdo... a igualdade absoluta!
Raios me partam, quem é que acredita nisso? Haverá duas pessoas iguais no mundo? E qual será a probabilidade de encontra-las no mesmo país? Zero. Não existe. Pessoas diferentes têm interesses diferentes, capacidades diferentes, prioridades diferentes. Existe uma lei natural a que todas as pessoas têm de obedecer - a defesa do seu interesse. É uma coisa que não se pode delegar senão na família, e mesmo assim em condições especiais, nomeadamente na incapacidade de o podermos fazer nós próprios.
O que podemos e devemos legar ao estado é o zelo pela nossa segurança, pelo defender da nossa propriedade, pelo cumprimento dos nossos contratos, pelo rigoroso cumprir da lei que ordene as nossas vidas em paz e liberdade. Isto é do interesse de todos. Não podemos ir mais longe.
Depois de ter lido o material solto nas páginas diversas onde Espada aparece escrito, fiz uma assinatura do jornal Expresso on-line. Aí tive acesso às suas 67 crónicas escritas ao longo dos últimos anos. Inspirador é o que vos posso dizer. Fico com pressa de crescer para poder adquirir semelhante esclarecimento e colecção de experiências intelectualmente elevadas. O Homem é um génio!

2004-01-07

Fumos, flatulências e eructações

O pesadelo de um liberal: pregar a liberdade e querer reprimi-la tantas e tantas vezes!... Incomodam-me gravemente certas coisas. O título não é honesto. Incomoda-me tudo aquilo e muito mais - mas há coisas que incomodam com frequência, e outras só raramente se proporciona que incomodem.
O tabaco incomoda muito e muitas vezes. Principalmente nos últimos tempos em que passeio com uma grávida ao meu lado e não venço o instinto de bufar alarvemente para espantar o fumo alheio. Acho imoral! God bless America... estão tão à frente!
Entendo que uma pessoa tenha uma fraqueza. Um vício. Eu tenho os meus vícios... não são melhores nem piores que os dos outros. Têm a particularidade de não incomodar ninguém. Mesmo que não fossem vícios e fossem uma necessidade urgente (e aposto que há quem confunda o fumar com uma necessidade urgente), acredito que devemos preservar um certo decoro social - se incomoda, procuramos sossego, se não incomoda, ninguém tem nada a ver com o assunto.
O fumo incomoda. Sítios públicos fechados não são o sítio ideal para fazer uma fogueira e espalhar o fumo por todo o lado. Para já porque não é higiénico! Um bafo de cigarro expele uma pequena ogiva venenosa. As concentrações não são assim tão baixas. Mas depois é o cheiro. A repetição. A insistência.
Não tenho qualquer pudor em mandar umas sopradelas para cima do cigarro. Principalmente se estiver a ventilar para cima de mim. Recebo olhares reprovadores dos digníssimos fumadores. "Que bruto!" E mudam de mão... Outras vezes não mudam e parecem fazerem pior. Partilho educadamente que o fumo me está a incomodar (a vontade é espancar violentamente a pessoa, mas se tomar sempre o comprimido aguento o impulso), e muita gente toca-se e mostra um certo desconforto pela sua condição de viçiado e de polo perturbador da paz social. Outros não.
O pior é quando é um amigo ou um Sábio, que fumam descontraidamente sem pudor de incomodar. Dependendo do grau de confiança ou admiração pela pessoa travo-me, ou não com o comentário: Sabes que isso faz mal aos dois?
Gostava de saber em que momento passou a ser aceitável fumar-se em público sem pejo. Hoje em dia só uma criança ou um labrego evacuam gás intestinal ou uma eructação sem vergonha. Uma pessoa normal não o faz - sabe que incomoda e que é socialmente reprovado. Porque é que o fumo é diferente? Mesmo em casa... sabemos que há certas coisas que se fazem numa casa de banho para não partilhar com os outros. É uma cortesia que estendemos serenamente da nossa parte e que abraçamos com festa da parte dos outros.
Algo vai muito mal quando se aceitam costumes tão abusivos. É inevitável que despertem fundamentalismos (como o meu). E calmamente a lei terá de repôr a paz social. Em Portugal será muito calmamente. Os Ingleses e Americanos já se anteciparam. Entendem eles que se deve reprimir o fumar em sítios públicos e até em certas ruas. A publicidade está proibida. A venda a menores também. Na europa começam a ver-se algumas medidas, a saber: as restrições na publicidade e as frases nos maços.
Acho lindamente. Poderá demorar mas existe uma pedagogia óbvia. Todos olham, mas só que alguns _vejam_, já se ganha qualquer coisa. Pessoalmente preferia que se eliminassem os impostos do tabaco. Em contrapartida eliminavam-se as regalias do sistema nacional de saúde do fumador, que complementarmente deveria dispôr da respectiva prestação referente à segurança social para comprar um seguro de saúde. Se haveriam ou não empresas a cobrir esse risco não sei. Talvez algum fumador abastado se disposesse a isso... tenho as minhas dúvidas - não se chega a rico apostando em causas perdidas.
Neste momento todos somos obrigados a pagar pela saúde voluntariamente negligenciada pelos fumadores. Não é sequer um risco, é uma certeza que ficarão doentes e morrerão. Entre uma e a outra, são assistidos...
O sistema nacional de saúde não paga um tratamento de uma queda na neve e isso parece-me bem. Não é um risco normal e a pessoa que arrisca deve segurar-se. Porque é que o fumador é diferente? Que soldariedade é esta que se descansa com a oferta de paliativos a uma pessoa que sabe que está a morrer?
A teoria liberal responde a tudo isto mas não vos quero maçar mais... volto para a televisão.

2004-01-05

Actualização

Passei a última semana a estudar Direito. É interessante, coisa e tal mas deixou-me mentalmente letárgico. Não há outra forma de se aprender Direito. É imperativo que deixemos de pensar ou contestaremos cada palavra até ao vómito.

Entretanto ontem o Benfica perdeu o joguinho de futebol com you know who e isso deixou-me triste. Não vi o jogo, nem gosto de futebol mas sou fortemente clubista. O que me lembra que tenho de preparar essa nobre tarefa que é educar um filho na sólida tradição de família que é ser do Benfica e só depois aprender a respirar e a tomar consciência do nosso papel no mundo.
Esta criança vai ser particularmente feliz com o Benfiquismo uma vez que tem um pedigree elevadíssimo. Pai e Mãe em perfeita sintonia. Avós também. Não terá vergonha nenhuma de mostrar o seu LOP onde quer que vá.

Vou tentar acordar o espírito com uns blogs e voltarei logo que se torne oportuno para continuar com a escrita.

2004-01-02

A Causa

Comecei o ano a defender "A Causa".
Sumário Executivo:
Animada discussão entre um liberal e uma keynesiana. Esforço estéril de tentar convencer pessoas obstinadas com demasiada opinião para partilhar.
Introdução teórica:
Keynes defendia que se podia melhorar o desempenho da economia (e a justiça social) através do seu quimérico multiplicador. Ou seja, se tributarmos generosamente e re-distribuirmos esse produto pelas zonas deficitárias, de interesse comum, subsidiando ineficientes (incluindo pessoas), obtemos um efeito multiplicador na economia que beneficiará o conjunto. 2 exemplos a favor: Expo 98 e Industria Militar Norte-Amercana.
Um liberal defende que a economia atingirá o seu zénite de eficiencia se for permitido ao mercado funcionar e se este reflectir a massa de trocas entre os agentes agindo livremente e na busca do seu melhor interesse. Esta ausência de controlo por parte do estado permite que se forme uma ordem espontânea com uma externalidade positiva gritantemente óbvia - O agente terá de oferecer algo de util ao mercado, para que dele possa retirar algo de util. Não se trabalha por gosto - trabalha-se por necessidade, mas com a consciencia de que se tem de acrescentar algo de positivo à massa de trocas.
Para um keynesiano, esta ausência de controle é deficiente. Consegue-se mais avariando o mercado ligeiramente aqui, para logo de seguida o curar estrondosamente ali. Acredita-se no direito de propriedade e de livre troca "assim-assim". Hoje acredito, amanha não. Pouco lhe interessa se um imposto implica uma perda social (leia-se, um desperdício efectivo de excedente. Ou seja, uma certa quantidade de riqueza que se perde. Não vai para o produtor, para o consumidor nem para o estado - é uma evidência gráfica da microeconomia). Essa perda social será compensada pelo efeito multiplicador do que acabou por ser efectivamente tributado.
Imaginemos que o estado desviou 100 milhões de contos para completar a expo 98 e promover o evento, mas com as receitas de bilheteira, o aumento do turismo, o rejuvenescer de uma parte da cidade se retirou um benefício para a sociedade de 300 milhões de contos - isto foi o mutiplicador que fez!
Um liberal desagrada-se com a ideia de se promover um evento, ou beneficiar uma industria com dinheiros publicos. Isso desvirtua o mercado. Os 100 milhões de contos eram mais bem gastos segundo o critério das pessoas a quem foram tributados. O turismo que se conseguiu para a Expo pode ter canibalizado o turismo do Algarve ou das ilhas por exemplo. O comercio que cresceu no parque das nações canibalizou o comercio do centro da cidade. Os terrenos valorizados prejudicaram construtores de outras zonas... Não cabe ao estado decidir para onde cresce a economia. Não de uma forma consciente pelo menos. A experiencia diz-nos que havendo uma procura relevante de uma determinada necessidade, surgirá uma oferta a dado momento. Havendo uma oferta razoável, surgirá a dada altura uma procura. Decide a ordem espontânea - não um iluminado! Até porque repito... economia por desenho, é feita às costas de negócios (e pessoas) eficientes. São castigadas pela sua eficiencia. São proibidos de devolver o dinheiro que ganharam à economia seguindo necessidades reais.
As necessidades desenhadas são um erro. O estado não é um bom arquitecto. Não é eficiente a gerir recursos. Qualquer empresa ou cooperativa fariam melhor.
Dizia há pouco que o estado pode ajudar de uma forma insconsciente... como? Não se pode negar o efeito multiplicador da politica militar americana. O estado sustenta uma industria bilionária comprando armamento, financiando desenvolvimento, sustentando postos de trabalho e receita fiscal permanente. Externalidade positiva: a ciência evolui muito. Industrias várias beneficiam dos avanços alcançados. Indústrias várias são chamadas a resolver necessidades específicas da industria do armamento.
Não me custa ver o estado como um cliente neste exemplo. O mercado oferece uma solução. Essa solução acaba por servir outros propósitos. Isto acontece com TODAS as indústrias!: Quando o Sr. Ford decidiu começar a construir carros em série mudou invitavelmente o mundo e a economia. Os recursos que utilizou foram igualmente multiplicados (em várias direcções) e nem por isso foi preciso estado para tal acontecer.

Depois a questão social...
Para um keynesiano não choca tributar para subsidiar quem está parado por alguma razão. Segundo eles, o dinheiro que lhes é entregue vai acabar por ser gasto na economia, e isso é melhor que estar parado ou poupado nas mãos das pessoas que pagaram os impostos.
Ou seja, tentam justificar como economicamente racional um gesto puramente social. O que está mal?
As pessoas que pagaram os impostos, viram retirar à sua produção uma certa quantidade de riqueza. Ninguem sabe o que fariam com ela. Poderia ser poupada (para mais tarde gastar ou investir ou para segurança), ou gasta. O mesmo que um subsidiado. A unica diferença é que o subsidiado teve o dinheiro em troca de nada (não produziu para ter riqueza) - existe um prejuizo para a sociedade. Alguem me explica esta pequena charada económica? Qual é a lição que se está a ensinar à sociedade? Sê produtivo e serás castigado, sê improdutivo e serás premiado.
Isto incomoda um liberal.
Mas então e a miséria? não incomoda um liberal?
A mim incomoda, sou sincero. Não tenho muita peninha, nem muita fé nas pessoas, mas acho que não se pode virar simplesmente a cara. Acho que deveria haver um limite abaixo do qual ninguem deveria descer. Não se deve permitir a fome, o frio e a ausência de um sítio para dormir. A safety net de Hayek.
Para colmatar excepções! Não se dá dinheiro... responde-se às necessidades. Duvido que muita gente gostasse de viver indefinidamente apenas a alimentar-se e a passar o tempo. Há sempre muita coisa para fazer, e gente disposta a pagar para que se faça - mesmo na sociedade mais avançada! O desemprego é um conceito estranho numa sociedade liberal, sendo evidente que tem de haver mobilidade de trabalho e capital. Não há trabalho aqui, procura-se ali... Não estão à procura de um padeiro, talvez queiram um leiteiro... Quem tiver alguma coisa para oferecer terá sempre trabalho. Acho graça falar-se de crise e desemprego e conhecer pessoas com vários empregos. Que escassez é esta que só serve para alguns?
Explica-se facilmente: sobrevive quem se preparou, quem se tornou essencial, quem identificou uma necessidade. Ciclicamente as exigências mudarão e com elas haverá adaptações. As pessoas têm de se adaptar. É do seu interesse e do interesse da sociedade. O estado não pode prever os ciclos nem as alterações e nunca resolverá os problemas atirando dinheiro para cima. Mas isto sou eu a falar, não sei... posso estar enganado!